TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

473 acórdão n.º 216/15 interesses constitucionalmente tutelados tenham sempre de ceder – para não dizer ser negados – perante a força normativa daqueles. 9. As restrições aos direitos, liberdades e garantias não se devem confinar às situações expressamente tipificadas no texto da lei fundamental, ou por esta autorizadas explicitamente, sendo’ ainda constitucionalmente legítimas quando se configurarem como o caminho adequado – ou até mesmo indispensável – para salvaguardar outros direitos fundamentais ou bens que apresentam valor de primeira grandeza no imaginário constitucional. 10. A concessão da AIM não confere, por si só, qualquer direito de comercialização, direito esse que só surgirá com o final do prazo de exclusividade que a patente confere. Por isso mesmo, os atos praticados no decurso do prazo de proteção não põem em crise qualquer direito de patente, uma vez que deles não decorre qualquer prejuízo, direto ou indireto, para o titular dessa mesma patente. 11. A necessária conciliação entre dois direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias aqui em presença – o direito de propriedade industrial e a liberdade de iniciativa económica – consegue-se, por um lado, protegendo o direito de patente por via do exclusivo de comercialização por um prazo de 20 anos e, por outro, defendendo a liberdade de iniciativa económica (i) autorizando, no decurso desse período, a prática dos atos que em nada afetam o exclusivo, como sucede com a concessão da AIM e, (ii) após o decurso desse prazo, e a conse- quente caducidade da patente, permitindo a livre comercialização do produto. 12. Na vigência da versão original do EM, o INFARMED sempre recusou a aplicação da lei no sentido preten- dido pelas Recorrentes, limitando-se por isso, como era sua estrita obrigação, a conferir AIM se a legislação que lhe cabia fazer respeitar lho determinasse e recusando qualquer apreciação, para a qual era desprovido de competências, quanto à existência de direitos de propriedade industrial. 13. A lei n.º 62/2011 clarificou, de forma incontroversa, que questões relativas aos direitos de propriedade industrial se encontram excluídos do âmbito de atribuições do INFARMED, bem como dos procedimentos admi- nistrativos que correm na sua esfera e dos pressupostos que vinculam os atos que esse Instituto pratica. E, por tal razão, não só se não regista qualquer violação ao dever de interpretação conforme como, bem pelo contrário, se pode apontar um exemplo de uma interpretação perfeitamente adequada e conforme à Constituição. 14. Não assiste qualquer razão às recorrentes quando sustentam que do princípio da constitucionalidade decorre, para a Administração Pública, um direito/dever de desaplicar normas legais supostamente inconstitucio- nais. De facto, uma adequada compreensão do sistema português de controlo da constitucionalidade, dimensão que as Recorrentes ignoram em absoluto, permitiria facilmente chegar à conclusão de que a Administração Pública não goza do poder para desaplicar normas inconstitucionais. 15. O sistema português de controlo da constitucionalidade baseia-se, no que à sua natureza diz respeito, no caráter exclusivamente judicial. Dito de outra forma: (i) só os tribunais têm o direito e o-dever de desaplicar nor- mas inconstitucionais; (ii) todos os tribunais são investidos desse poder/dever. 16. E, dessa natureza, extrai a mais qualificada doutrina nacional a conclusão de que o princípio básico é o de recusar à administração em geral e aos agentes administrativos em particular qualquer poder de controlo da cons- titucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar a violação dos direitos fundamentais. 17. Não tem qualquer sustentação a crítica que as Recorrentes fazem ao STA, por ter baseado a sua desconside- ração das pretensões daquelas na ideia de que a matéria da propriedade industrial se encontra fora das atribuições do INFARMED, não lhe cabendo por isso fazer qualquer apreciação sobre tal matéria em sede de concessão de AIM. 18. De facto, o que se não entende é a tese das Recorrentes, para quem o INFARMED estaria obrigado a, no âmbito de um procedimento de AIM (ou a DGAE, a propósito da fixação do PVP), apreciar da eventual existência de direitos conferidos por uma patente, quando a apreciação dessas matérias está ope legis excluída da órbita das suas atribuições, encontrando-se antes entregue á responsabilidade do INPI. 19. Em particular, não se compreende como é que similar leitura é compatível com a interpretação do princípio da legalidade, tal como acolhido na lei fundamental (n.º 2 do artigo 266.º) e plasmado no n.º 1 do artigo 3.º do CPA, que estipula que os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes

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