TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

472 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «1. É grave e inaceitável que as Recorrentes pretendam obscurecer a insustentabilidade jurídica da sua posição por detrás da invocação da existência de uma conspiração de todos os poderes do Estado (Presidente da República, Assembleia da República, Governo, Tribunais e Ministério Público), que teria por intento impedir a efetivação de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, in casu o direito de propriedade na sua vertente de direito de propriedade industrial. 2. Ao invés, a confluência comportamental objetiva que se verificou entre todas essas entidades, deve ser vista como o resultado de uma interpretação das normas aplicáveis à situação sub iudicio que, sendo autónoma, é a que melhor se coaduna com as exigências da lei fundamental, fragilizando por consequência as teses das Recorrentes. 3. O que o Tribunal Constitucional é convocado a decidir, nos presentes autos, é se o direito de propriedade industrial tem natureza absoluta, sobrepondo-se a todo e qualquer outro direito fundamental ou interesse consti- tucionalmente protegido, e obrigando assim à desconsideração destes, a pontos de exigir que uma entidade pública seja obrigada a avaliar do respeito por ele no âmbito de um procedimento que nada tem que ver com esse mesmo direito e no exercício de atribuições que a lei lhe não confere. 4. Apresentando o direito económico de patente algumas dimensões análogas aos direitos, liberdades e garan- tias, para o efeito de lhe ser aplicável o regime de garantia constitucional destes últimos (mormente o de não ser dela privado arbitrariamente), já não se considera aceitável considerar que da mesma garantia defluam, ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º da CRP, regras autoaplicativas que vinculem, sem mais, a Administração, já que semelhante posição desconsidera o facto de que a mesma garantia é passível de ser configurada e restringida, legitimamente, por lei. 5. No que respeita, em concreto, à garantia do direito de propriedade industrial, admite-se que a Constituição possa conferir ao legislador ordinário, não apenas um maior ónus para assegurar a sua proteção, mas também uma maior discricionariedade para estatuir a sua configuração, do que a que outorga implicitamente à intervenção legis- lativa respeitante ao direito de propriedade em geral nos termos dos n. os 1 e 2 do artigo 62.º da CRP. Com efeito, a liberdade de criação científica, prevista no n.º 1 e 2 do artigo 42.º da CRP, compreende o “direito à invenção, produção e divulgação da obra científica”, precisando o segundo preceito que esse direito envolve a “proteção legal dos direitos de autor”. Desta disposição é possível extrair que o reconhecimento do direito de patente industrial, a liberdade da sua exploração económica e igualmente a sua garantia jus-fundamental, deverá ser conformada e garantida por lei, na medida em que essa imediação legislativa decorre da fórmula constitucional “proteção legal”. 6. Os limites e restrições legais ao direito de patente, nomeadamente o direito relativo à propriedade industrial do medicamento de referência, justificam-se na necessidade de o harmonizar, atenta a sua função social constitu- cionalmente reconhecida, com: [sic] d) Outros direitos análogos aos direitos liberdades e garantias, como é o caso da liberdade de concorrência e a liberdade de iniciativa privada das empresas de medicamentos genéricos, acolhida no artigo 61.º da CRP; [sic] e) Direitos sociais e económicos, como o direito à proteção na saúde previsto no artigo 64.º da CRP e os direitos dos consumidores, acolhidos no artigo 60.º; [sic] f ) Interesses públicos constitucionalmente qualificados do Estado, como o dever de defender e promover a proteção na saúde, mormente através da socialização dos custos do medicamento, nos termos do proémio do n.º 1 do artigo 64.º CRP e da alínea c) do seu n.º 3 e, ainda, o dever de garantir equilíbrio financeiro do Estado, de acordo com o n.º 4 do artigo 105.º da CRP. 7. Não tem assim cabimento constitucional o entendimento segundo o qual o direito de patente de medica- mento de referência, como direito “absoluto” de viés análogo aos direitos, liberdades e garantias, se aplicaria direta e imediatamente, em todas as suas dimensões, às esferas jurisdicionais e administrativas como se, porventura, a lei não pudesse introduzir-lhe restrições ou reduzir, no respeito do princípio da proporcionalidade, o seu âmbito de proteção. 8. Do regime específico dos direitos, liberdades e garantias não é constitucionalmente legítimo retirar a con- clusão de que outros direitos fundamentais, neles incluindo os direitos económicos sociais e culturais, ou outros

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