TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, se os laboratórios produtores de medicamentos genéricos quiserem comercializar os seus medicamentos assim que a patente caduque, ou assim que seja declarada inválida, não há nenhum impedimento constitucional ou legal que impeça a comercialização dos seus genéricos. Ou seja, e por outras palavras, o interesse dos laboratórios produtores de genéricos em comercializarem os seus medicamentos é digno de tutela, pelo que, resulta evidente que, o direito de propriedade industrial da Autora, e de uma forma geral dos titulares de patentes, não pode ser considerado como um direito absoluto, pelo menos no âmbito do procedimento de concessão de AIM. E quanto ao que se acabou de referir, não se diga que a emissão de uma AIM implica a comercialização ime- diata do medicamento em causa porquanto, ainda que o artigo 77.º/3 do EM determine o ónus jurídico de o medicamento ser comercializado no prazo máximo de três anos, prevê também a sua inaplicabilidade quando a não comercialização se deva a uma imposição legal. Desta forma, caso se verifique que de facto o medicamento de referência se encontra protegido por uma patente, a não comercialização do medicamento genérico que possa violar aquele direito de propriedade industrial é imposta por lei. Ou seja, o referido ónus jurídico não é aplicável às situações em que o titular de AIM se encontra legalmente impedido de comercializar o seu medicamento. Assim, não configuram obrigações do INFARMED decorrentes da Constituição da República Portuguesa, por não se tratar de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Aqui chegados, e em termos sumários, verifica-se que inexiste violação do princípio constitucional da tutela da confiança, subjacente ao limite da proibição das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias de alcance retroativo (artigos 2.º e 18.º, n.º 3 da CRP), ou violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que a nova lei veio clarificar o sentido das normas do Estatuto do Medicamento (versão anterior) que eram já colhidas pelo Requerido. Mais acresce que, mesmo que os titulares da AIM entendessem iniciar a comercialização do seu medicamento genérico antes do terminus do prazo de proteção da patente do medicamento de referência, ainda assim os titulares desse direito de propriedade industrial nos termos do artigo 2.º da Lei 62/2011, têm agora um mecanismo célere de composição de litígios decorrentes de direitos de propriedade industrial, permitindo que se obtenha uma deci- são célere que determine se existe ou não violação desses direitos por parte do medicamento genérico. Além disso, a norma interpretativa constante do artigo 9.º/1 da Lei 62/2011, limitou-se a resolver, por via de interpretação autêntica, uma ambiguidade interpretativa relativa aos efeitos dos direitos de propriedade industrial sobre os procedimentos administrativos de concessão de AIM e fixação de PVP. Sendo que, a retroatividade da Lei 62/2011 conferida pela referida norma interpretativa, não é inconstitucional na medida em que: i) não é violadora da tutela da confiança; ii) não lesa qualquer faculdade do titular de direitos de propriedade industrial; iii) amplia o direito fundamental à proteção da saúde; e iv) satisfaz interesses públicos objeto de expressa proteção constitucional. O que agora se referiu, vai ao encontro da posição deste Supremo Tribunal Administrativo no acórdão recor- rido, quando referiu que, “Antes de mais, imposta reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM’s, é insuscetível de controvér- sia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efetividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no artigo 9, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroatividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante , não são retroativas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado. Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroatividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º, n. º 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer. Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroatividade impró- pria está sujeita aos limites previstos no artigo 13.º, n. º 1, do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou

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