TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
469 acórdão n.º 216/15 Pelo que, não obstante ser evidente a tutela constitucional das patentes e dos direitos delas decorrentes, é ine- quívoco que as mesmas cedem perante o direito fundamental da proteção da saúde. Desta forma, no âmbito do procedimento de concessão de AIMs, o direito à patente nunca pode ser consi- derado como um direito absoluto, uma vez que há outros direitos e interesses a acautelar naquele procedimento administrativo. De facto, e não obstante o Estatuto do Medicamento procurar definir uma solução harmoniosa entre as posi- ções jurídicas em conflito nos processos judiciais relativos à alegada violação de patentes por atos de AIMs, é evi- dente que a existência de eventuais conflitos decorrentes da violação de direitos resultantes de patentes, traduzindo um litígio entre particulares, extravasa a esfera do poder administrativo, inserindo-se antes no âmbito da função jurisdicional. Ou seja, apesar de o procedimento administrativo de concessão de AIMs envolver também a tutela do exercí- cio da liberdade de criação e investigação científicas, os litígios entre particulares relativos a eventuais violações de direitos emergentes de patentes são da competência dos Tribunais e não da Administração Pública. Neste sentido, o artigo 25. º/2 do Estatuto do Medicamento, na redação dada pela Lei 62/2011, não impede o exclusivo de comercialização que consubstancia o conteúdo da patente do medicamento de referência. Aliás, a referida norma revela-se um meio idóneo para prevenir situações de impedimento de comercialização de medicamentos genéricos em cenários de caducidade da patente do medicamento de referência. Do mesmo modo, sempre se diga que, a norma constante do artigo 25.º/2 do Estatuto do Medicamento, na redação dada pela Lei 62/2011, não tem qualquer efeito lesivo de direitos fundamentais dos titulares de medica- mentos de referência, antes visa evitar que haja usurpação de poderes jurisdicionais pela Administração Pública. Por outro lado, e_nas palavras de Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fun- damentais, 3.a Edição, Coimbra Editora, pp. 528: “Da circunstância de o artigo 62. o não estabelecer restrições explícitas à propriedade privada não pode extrair-se que elas sejam vedadas. Só assim seria numa visão fechada e absolutizante da propriedade, à margem do sistema constitucional. Somente uma quimérica Constituição liberal radical se pretenderia que a propriedade não pudesse ser restringida senão nos casos nela direta e expressamente contemplados e se entenderiam proibidas quaisquer normas legais restritivas que lhes não cor respondessem. Pelo contrário, qualquer Constituição positiva, ainda que imbuída de respeito pela propriedade, tem de admitir que a lei declare outras restrições – até por não poder prevê-las ou inseri-las todas no texto constitu- cional”. Desde logo, e mais relevante, há um interesse público a defender no procedimento de atribuição de AIMs, interesse esse consubstanciado, conforme já se referiu supra, em garantir a segurança, qualidade e eficácia dos medi- camentos que estão no mercado. Por outro lado, há também um interesse público em garantir a sustentabilidade do SNS. Aliás, quanto a este aspeto, refira-se exemplificativamente que, no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica firmado pelo Governo Português com o FMI, a CE e o BCE, em 17.05.2011, na Medida n.º 3.60. acordou-se que incumbia ao Estado Português: “Remover todas as barreiras à entrada de genéricos, especialmente através da redução de barreiras administrativas/legais, com vista a acelerar a comparticipação de genéricos” Por outro lado ainda, existe o interesse da ora Contrainteressada, e dos laboratórios produtores de medicamen- tos genéricos em comercializarem os seus medicamentos assim que as patentes caduquem ou assim que declaradas inválidas. Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 61.º/1, consagra o direito à iniciativa económica, ainda que nos termos da própria Constituição e da lei.
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