TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
468 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “Há que referir que a tese que sustenta que os direitos de propriedade industrial revestem natureza de direi- tos de propriedade não é isenta de críticas. O Estado concede ao titular da patente um monopólio temporal quanto à sua exploração industrial ou comercial, exigindo em troca a divulgação da invenção”. Ou seja, os direitos de propriedade industrial não visam tutelar a apropriação individual de determinado bem imaterial, mas sim proteger a capacidade de inovação e a capacidade distintiva, sendo que o seu assento constitu- cional, quando muito, prende-se com a liberdade da iniciativa privada e com a tutela de mercado. O que significa que com o direito de propriedade tem apenas a sua designação e o fato de constituir também um direito económico. E sempre se diga, que ainda que se admita que o direito de propriedade industrial goze da aplicação do artigo 62.º da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir atos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado. Como referem os Senhores Professores Oliveira Ascensão e Paulo Otero, “Resta saber quais os efeitos desta integração do direito de patente na categoria de elemento patrimonial privado. A previsão constitucional da propriedade dá desde logo a este direito uma garantia institucional. Não pode realizar-se a supressão pela lei comum do instituto dos direitos patrimoniais privados. Dá-lhe a categoria de direito fundamental, se considerarmos direito fundamental todo o que é previsto e garantido pela Constituição. Mas a “propriedade”, no sentido constitucional, não se integra sistematicamente na categoria privilegiada dos “direitos, liberdades e garantias’: estabelecido no artigo 18 e noutros preceitos da Constituição. O artigo 62 está fora dessas provisões e é antes colocado entre os “Direitos e deveres Económicos”. Por isso, à propriedade privada é atribuído um regime mais restrito, uma vez que o artigo 62/1 apenas garante o direito à propriedade privada e a sua transmissão e, vida ou por morte “nos termos da constituição”. É uma fórmula intencional- mente restritiva da proteção. Esta é assim a base constitucional da qualificação como propriedade, que fica na sua intencionalidade desvalorizada pela integração geral nos direitos patrimoniais privados. É protegida porque é um elemento do património, mas sem que haja a proteção absoluta que algumas vozes reclamam. A patente não dá um direito em posição de privilégio em relação aos restantes direitos patrimoniais. E que isso em nada inquina a subordinação da patente ao interesse público evidencia-se definitivamente, além de tudo o que já dissemos, pela previsão do artigo 105/2 do Código de Propriedade Industrial – CPI: “Qualquer patente pode ser expropriada por utilidade pública mediante o pagamento de justa indemnização, se a necessidade de vulgarização da invenção, ou da sua utilização pelas entidades públicas, o exigir”. Qualquer qualificação como propriedade não exclui a primazia constitucional do interesse coletivo. A regra está profundamente assente entre nós, sem contestação. A qualificação como propriedade nunca poderia transformar pois o direito indus- trial numa ocorrência ímpar, insensível à vinculação comunitária de tudo o que é jurídico” (v. pp. 13 e 14 do Documento n.º 1). Ou seja, e conforme referiu o Senhor Professor Paulo Otero num parecer junto ao processo n.º 674/11.7BELSB, “a proximidade e a essencialidade da garantia da saúde com a dignidade da pessoa humana, num modelo de Estado em que as pessoas valem mais do que as coisas ou a propriedade, e o entendimento de que a limitação ou restrição dos direitos exclusivos decorrentes de patentes traduzam ampliação da liberdade, num modelo de Estado que privilegia a liberdade à propriedade, conduzem a uma solução constitucional abstrata que confere preferência à posição que defende a introdução no mercado de medicamentos genéricos, isto face à posição de conteúdo patrimonial defendida pelos titulares de patentes sobre medicamentos de referência.”
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