TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

466 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 29. As preocupações geralmente manifestadas de não se conceder um monopólio de facto maior do que o legalmente estipulado para a comercialização da invenção protegida, garantindo-se que os medicamentos genéricos possam ser “colocados no mercado às 00:00 do dia seguinte ao da caducidade da Patente” seriam facilmente ser ultrapassadas sem o sacrifício da posição jurídica das Recorrentes, pela aposição de um termo suspensivo à auto- rização administrativa de que dependa a comercialização do medicamento violador da patente, concedendo-lhe eficácia diferida nos termos do artigo 129.º, alínea b) do CPA. 30. A interpretação oferecida pelo acórdão a quo, como vimos, é inconstitucional por obrigar o INFARMED a desconsiderar a violação do direito de patente das Recorrentes, sendo evidente que obrigar a Administração Pública a desconsiderar a violação de direitos fundamentais é diametralmente oposto ao dever de garantir a sua efetivação: é pura linguística que comporta comandos contraditórios e que oferece uma solução de proteção negativa de um direito fundamental, esvaziando totalmente de conteúdo o direito à garantia de direitos fundamentais pela Admi- nistração Pública, sendo por isso materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 3.º, 9.º, alínea b) , 18.º, n.º 1 e 266.º da CRP. 31. Não sendo concedida eficácia diferida à AIM, será o direito fundamental à garantia de direitos fundamen- tais por parte da Administração suprimido, sendo, em decorrência, tal ato administrativo nulo, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA, por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental. 32. E os Tribunais, por seu turno, não podem abster-se de declarar a ilegalidade de um ato administrativo pro- ferido com desrespeito do dever de garantia de um direito fundamental, quando chamados a sobre ela se pronun- ciar, sob pena de essa sua omissão consubstanciar uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, prevista e consagrada no artigo 20.º, n. os 1 e 5 da CRP. 33. Não obstante não se poder considerar o direito de propriedade industrial como um direito de conteúdo unicamente negativo, a verdade é que o conteúdo essencial desse direito corresponde à fruição de um exclusivo, por recurso aos diversos poderes que a lei para esse efeito lhe coloca à disposição, correspondendo este ius prohibendi ao conteúdo fundamental da patente, como direito exclusivo. 34. Significa isto que, através da violação do direito fundamental à garantia de direitos fundamentais imposto à Administração Pública, a interpretação recorrida veio admitir ainda uma conduta que contribui, potencia e legitima a violação desproporcional do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 42.º da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do artigo 62.º da Constituição), sendo por isso materialmente inconstitucional por violação no disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 42.º e 62.º da Constituição. 35. As possibilidades de restrição do direito de propriedade privada, que só podem resultar de um comando exarado pela lei, estão previstas no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição (sendo que nenhuma das hipóteses aí con- sagradas teve lugar no caso dos autos), não podendo as dificuldades orçamentais do País justificar o desrespeito pelos princípios e normas constitucionais e sendo expectável que nos momentos de tensão e de dificuldades várias, a Lei Fundamental assuma papel destacado, enquanto bitola delimitadora da margem de liberdade de que dispõe o legislador. 36. O domínio da aplicação da interpretação da norma constante dos artigos 25.º, n. os 1 e 2 e 179, n. os 1 e 2 do Estatuto do Medicamento é desigual porque restrita a medicamentos, valendo o dever de desconsideração e de des- proteção, na interpretação recorrida, apenas perante direitos de propriedade industrial incidentes sobre produtos farmacêuticos e mantendo-se os demais deveres de respeito e de garantia a que o Estado está vinculado aos direitos fundamentais relativos a produtos de outros domínios da técnica e da atividade económica totalmente intactos, violando-se assim o princípio da igualdade prevista no artigo 13.º da CRP. 37. A parametricidade constitucional consagrada no artigo 3.º da CRP obriga a que a Administração Pública, na análise de qualquer diploma legal e em qualquer atuação que daí advenha, procure sempre, de entre as diversas interpretações possíveis que se lhe ofereçam de um tal comando legal, procurar a mais conforme à Lei Fundamental. 38.A norma dos artigos 25.º, n. os 1 e 2 e 179.º, n. os 1 e 2 do Estatuto do Medicamento pode ser interpre- tada de várias formas, mas só uma será constitucional e que é a que propugna a proteção e garantia de direitos

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