TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

465 acórdão n.º 216/15 interpretação destas últimas que não entre em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurí- dica comunitária. 18. Da mesma forma que o Estatuto do Medicamento tem de se conformar com os limites constitucionais, também qualquer interpretação Diretiva 2001/83/CE terá sempre que ser feita no quadro do que dispõem os Tra- tados e nomeadamente da disposição do artigo 51.º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a qual dispõe que os Estados-Membros, quando apliquem o direito da União, “devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação”. 19. Mesmo que o direito europeu assim não dispusesse, sempre seria de aplicar a disposição dos artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, a qual prevê que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas ema- nadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, e desaplicar as normas comunitária que violassem tal princípio. 20. Sendo os direitos fundamentais manifestações deste princípio da dignidade da pessoa humana, eles só existirão juridicamente, só se consubstanciarão em direitos subjetivos públicos, na medida em que a sua fruição seja garantida, ou seja, os direitos fundamentais deixam de o ser sem o específico regime que os protege e garante. 21. Daqui decorre a existência de um direito fundamental inominado, não incluído na categoria dos direitos, liberdades e garantias, mas a eles análogo, decorrente do artigo 266.º, n.º 2 da CRP como manifestação do prin- cípio do Estado de Direito democrático: o direito fundamental à garantia de direitos fundamentais por parte da Administração. 22. O Estado português está vinculado e deve conformar-se com o que dispõe e prevê a Constituição, atuando por e através dela – atuando com vista a atingir os objetivos que esta consagra e legitimado pela sua consagração (artigo 3.º, n.º 2 da CRP), daí que nos termos do artigo 3.º, n.º 3 da CRP, a prática de qualquer ato do Estado desconforme com a Constituição seja inválido. 23. Inclui-se na alínea b) do artigo 9.º da CRP a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, garantia essa que assume assim a expressão máxima de tarefa fundamental do Estado, a quem, assim incumbe, por intermédio de todos os seus serviços, órgãos e agentes, o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial das Recor- rentes, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva. 24. Ao contrário do que se escreve no acórdão do STA, a promoção e proteção da propriedade industrial estão, assim, sempre, dentro das atribuições do INFARMED e das competências dos seus órgãos e agentes, tal como a Constituição lhas imputa, manifestando-se necessariamente no quadro das competências – poderes – que a lei lhes tenha concedido. 25. O ato de concessão de uma AIM não é um “ato realizado para fins de ensaio ou experimentais”, pelo que o excurso do Acórdão recorrido sobre a sua não inclusão, por essa razão, no âmbito da violação da patente e da respetiva norma criminal punitiva nenhum interesse tem para esta causa. 26. A AIM tem como única finalidade a de autorizar a comercialização de um medicamento que, sem tal auto- rização, jamais poderia ser vendido e tem eficácia automática a partir do momento da sua prática, como decorre do disposto no artigo 127.º do CPA. 27. Se a comercialização de tal medicamento é infratora de uma patente, é manifesto que o objeto mediato dessa autorização, a sua teleologia, é precisamente a infração dessa patente, ou seja, na medida em que autoriza a comercialização de um medicamento violador de uma patente, a Administração Pública imiscui-se nessa comercia- lização, tornando-a viável e promovendo, consequentemente, a violação dela decorrente. 28. De acordo com o “princípio da prevenção”, a Administração Pública não se pode desligar das consequên- cias possíveis de um ato que pratique, ainda que o Direito preveja formas de compensação do cidadão lesado mediante a previsão da responsabilização civil e penal de terceiros e, do mesmo modo, pedir-se que a Administra- ção Pública se limite a não ignorar as consequências possíveis de um ato que pratica é exigir-se um nível mínimo de proteção de direitos fundamentais, devida pela Administração Pública.

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