TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. No que aos conflitos que entre direitos possam surgir diz respeito, importa notar que o direito à proteção da saúde constitucionalmente consagrado no artigo 64.º da CRP não atribui aos cidadãos um direito subjetivo público a prestações específicas nesse domínio, consagrando apenas um direito social a exigir a tomada de medidas por parte do Estado que concretizem essa proteção, não beneficiando do regime específico dos direitos, liberdades e garantias. 10. Ao direito de propriedade como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias aplica-se o princípio da reserva de lei restritiva, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, ou seja, o princípio de que tais direitos só podem ser restringidos por lei e nos casos expressamente previstos na Constituição – o que significa que nenhuma autoridade pública, seja ela um tribunal ou um órgão da Administração direta ou indireta do Estado, pode deixar de respeitar um direito, liberdade e garantia ou a ele análogo, com base apenas na consideração de um direito social, mesmo que protegido constitucionalmente, salvo se legitimado pelos modos que a Constituição e a lei expressa- mente previrem (mormente, conforme se prevê no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição, mediante expropriação nos termos dos artigos 105.º e seguintes do CPI). 11. O confronto que poderia existir em razão da existência e consagração simultânea do direito de patente e do direito à iniciativa económica privada, intrinsecamente conflituantes, encontra-se já resolvido pela lei: por força do regime a que o direito à iniciativa económica privada está sujeito, previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, entendeu o legislador fixar um prazo de apenas 20 anos a contar da data do pedido de patente como limite do monopólio conferido, a que subjaz o entendimento de que tal duração é a necessária para salvaguarda desse outro direito constitucionalmente protegido. 12. O dever constitucional de sujeição da Administração à Constituição, que radica na parametricidade consti- tucional, deve ser visto sob dois prismas: o seu dever de “executar de modo conforme as normas legais não inconsti- tucionais” (dimensão positiva) e o seu dever de não “praticar atos imediata ou consequentemente inconstitucionais – estando, portanto, impedida de aplicar normas jurídicas inconstitucionais” (dimensão negativa) 13. Os princípios gerais da atividade administrativa constantes do CPA e as normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 do CPA, o que significa que os deveres a que a Administração Pública está sujeita, no âmbito da sua atuação, são os mesmos em ambos os níveis – tanto constitucional como ordinário – o que torna irrelevante a discussão sobre se a vinculação administrativa é devida, em primeira linha, à lei ou à Constituição, na medida em que aqui elas são coincidentes. 14. O princípio da constitucionalidade exige ainda, entre outras coisas, que a Administração interprete e apli- que as leis no sentido mais conforme à Constituição, como decorre de resto do artigo 3.º, n.º 1 da CRP, que prevê que a validade de todos os atos do Estado depende da sua conformidade com a Constituição. 15. O princípio da especialidade não tem aplicação delimitativa no âmbito da aferição do dever de garantia de direitos fundamentais e não pode ser confundido com o princípio da funcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, que encontra a justificação para a sua inclusão em motivos históricos. 16. O dever de garantia de direitos fundamentais, previsto nos artigos 2.º e 9.º, alínea b) da CRP, é horizontal, aplicando-se por igual a toda a Administração Pública e, de resto, a todos os cidadãos, pelo que não existe qualquer delimitação dos direitos, liberdades e garantias que, à Administração, cabe proteger, nem ela pode escolher garantir uns em detrimento de outros: os órgãos e agentes da Administração têm que garantir e respeitar todos, sem exceder as suas competências no desenvolvimento dessa proteção e a Administração Pública está sempre sujeita ao dever de promover, garantir, respeitar e proteger direitos fundamentais como o direito de propriedade industrial, sejam quais forem as entidades administrativas em causa e a forma de atuação adotada, de acordo com o comando dos artigos 2.º, 9.º, alínea b) , 18.º, n.º 1 e 266.º da CRP. 17. O direito da União Europeia, nomeadamente o artigo 26.º do Diretiva 2001/83/CE, não se opõe a que as autoridades dos Estados-Membro tomem em consideração os direitos de propriedade industrial de terceiros no seu processo decisório de concessão ou de recusa de AIM e, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, compete aos Estados-Membros, na transposição das diretivas, zelar por que seja seguida uma
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=