TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
461 acórdão n.º 216/15 VIII– No que toca à primeira questão de inconstitucionalidade invocada pelas recorrentes, ou seja, a de que o artigo 9.º da Lei n.º 62/2011, por se tratar de uma norma interpretativa, incorporada por via da nova redação dos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento, também seria inconstitu- cional, deve começar por notar-se que o sentido interpretativo revelado – ou, antes, reforçado – pela norma interpretativa já se encontrava presente no espírito da norma interpretada (ainda que de modo imperfeito ou duvidoso), sendo ele passível de ser extraído do próprio “sentido possível das palavras” anteriormente contidas na lei interpretada, pelo que, precisamente por esse sentido interpretativo já se encontrar, originariamente, impresso na norma interpretada, a própria lei portuguesa, determina a sua retroatividade, mediante a sua integração na primeira e assim operando uma novação da fonte normativa originária; acresce que o próprio n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil ressalva os efeitos jurídicos entretanto já produzidos, quer por força do cumprimento da obrigação, quer por sentença já transitada, quer por transação, ainda que não homologada, de onde resulta que o próprio regime jurídico da lei interpretativa denota uma intensa preocupação em salvaguardar (e salvaguarda) o prin- cípio da segurança jurídica, garantindo que essa retroatividade não é plena, afetando toda e qualquer situação passada. IX – Não se podendo afirmar que a redação conferida aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medi- camento se deva considerar como ofensiva do “conteúdo essencial” do direito à liberdade de criação científica e do direito à propriedade privada, logo estaria afastada a proibição de retroatividade desfa- vorável que as recorrentes extraem do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição; mas, mesmo que tal fosse admitido – o que não sucede –, importaria sempre aferir se a medida legislativa em causa é verda- deiramente ofensiva do “princípio da segurança jurídica” e, como tal, da proibição de retroatividade desfavorável. X – No presente caso, não se encontra afetada a dimensão do “princípio da segurança jurídica” consistente na “segurança na implementação”, já que a entrada em vigor da nova redação do Estatuto do Medi- camento não afeta, de modo algum, a concreta posição jurídica vantajosa das recorrentes, na medida em que o seu exclusivo de patente permanecerá em vigor até ao termo do prazo legal, não afetando a AIM de que beneficiam por força de decisão administrativa anterior; por outro lado, nem sequer a “certeza na orientação” fica prejudicada por força da aplicação retroativa da lei interpretativa à redação dos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento, uma vez que mesmo em momento ante- rior à sua entrada em vigor aquela já era a interpretação acolhida, de modo reiterado e consolidado, quer pela atuação quotidiana do Infarmed, quer pela jurisprudência administrativa portuguesa; não pode, portanto, sequer falar-se em retroatividade proprio sensu , visto que o parâmetro normativo cla- rificado e reafirmado pela norma interpretativa contida no artigo 9.º da Lei n.º 62/2011 já podia ser, legitimamente, extraído do Estatuto do Medicamento, tal como vigente na redação do Decreto-Lei n.º 176/2006. XI – E, mais do que isso, tratando-se este último ato legislativo de um ato interno de transposição de Dire- tiva comunitária, cujo texto é inequívoco ao determinar que essas questões controvertidas não são objeto de apreciação quando o competente órgão administrativo ponderar a concessão de uma AIM, mais razões havia para que não se tivesse consolidado, na esfera jurídica das recorrentes, qualquer expetativa jurídica (ou, muito menos, um interesse normativamente protegido) de que o INFAR- MED estava obrigado a apreciar uma alegação de violação de “direitos de propriedade industrial”, no procedimento administrativo de concessão de uma AIM de medicamento; em adição, o Regula- mento que estabeleceu procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos
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