TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
457 acórdão n.º 204/15 da audição respetiva, que poderá mesmo ser dispensada (artigo 65.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro). Considerou o Tribunal Constitucional, no referido Acórdão n.º 226/11, que tal regime não atenta con- tra o princípio da autonomia do Ministério Público, referindo, a este respeito, o seguinte: «A autonomia do Ministério Público encontra a sua justificação na função específica de promoção da ação penal pautada por critérios de legalidade e de objetividade. E, mesmo no processo penal, tal competência não obsta ao regime dos crimes particulares e ao consequente condicionamento da ação penal pela queixa ou dedução de acusação particular. Tem-se entendido, por outro lado, que as autoridades administrativas podem intervir no processo penal, sem prejuízo da autonomia do Ministério Público, desde que as mesmas se destinem a representar interesses específicos.» E acrescentou ainda este acórdão que «ao exigir-se o acordo da autoridade administrativa para a retirada dessa acusação, releva-se, ao fim e ao cabo, o interesse público especialmente confiado à tutela da autoridade adminis- trativa, na fase judicial. Com efeito, a Constituição não colocou, no processo de contraordenação, a defesa do interesse público na exclusiva tutela do Ministério Público. O legislador não está, por isso, impedido de destacar um determinado interesse público e de incluir a sua proteção na competência de uma entidade pública distinta, à qual passa depois a exigir um especial dever de colaboração com o Ministério Público, na fase judicial de defesa desse interesse.» Neste mesmo sentido, sobre questão idêntica, se pronunciou o Tribunal no Acórdão n.º 660/11, no qual se refere que «a solução escolhida – que se situa no âmbito de liberdade de conformação legislativa constitucionalmente permitida – apenas tem como consequência que, na ausência de acordo da autoridade administrativa – na parte que aqui cumpre analisar – os autos prosseguirão para apreciação judicial, não representando tal falta de acordo qualquer condicionamento ulterior da posição que o Ministério Público decida assumir, substancialmente, sempre que chamado a pronunciar-se ou a intervir, mantendo-se intocada a sua autonomia, traduzida desde logo na possibilidade de defender posição discordante da assumida pela decisão administrativa condenatória, nomeadamente a absolvição do arguido, em observância de critérios de legalidade e estrita objetividade, de acordo com a livre leitura que o magistrado assuma relativamente aos factos em discussão ou ao respetivo enquadramento jurídico.» Estas considerações são, em grande medida, transponíveis para o caso dos autos. Com efeito, mesmo que se admita que, na sequência da participação efetuada pela ACT nos termos do artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público tem necessariamente de instaurar a ação de reco- nhecimento da existência de contrato de trabalho, tal não basta para se concluir que o regime legal em causa seja violador do princípio da autonomia do Ministério Público. Com efeito, importa ter em atenção, por um lado, que a atuação do Ministério Público nesta matéria ocorre numa área – a laboral –, que se situa claramente fora do âmbito do exercício da ação penal (onde, como vimos, se fazem sentir com um grau de intensidade mais acentuado as exigências resultantes da garan- tia constitucional da autonomia do Ministério Público). Por outro lado, os interesses de ordem pública que o legislador visa salvaguardar com o regime legal em causa são também prosseguidos pela ACT, entidade a quem são atribuídos poderes de fiscalização da existência de indícios de uma situação de prestação de ativi- dade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho. Assim, mesmo que se aceitasse o pressuposto de que parte a decisão recorrida, de que é a ACT, entidade administrativa, quem determina a propositura da referida ação, retirando ao Ministério Público qualquer autonomia para decidir da respetiva viabilidade, tal conclusão apenas poderia, ainda assim, valer para uma fase prévia ao início do processo, em que o Ministério Público, não teria liberdade para analisar a participa- ção da ACT e promover o arquivamento do processo no caso de concluir não existirem os elementos neces- sários para instaurar a respetiva ação judicial.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=