TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso dos autos, segundo resulta da respetiva fundamentação, a decisão recorrida entendeu que o regime legal cuja aplicação foi recusada viola a autonomia do Ministério Público, quer na sua dimensão nega- tiva, quer na dimensão positiva, uma vez que faz assentar a ofensa a tal garantia constitucional na circunstância de ser a Autoridade para as Condições de Trabalho, entidade administrativa, quem determina a propositura da ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, retirando ao Ministério Público qualquer autonomia para decidir da respetiva viabilidade. Ou seja, na perspetiva da decisão recorrida, o Ministério Público, uma vez recebida a participação da ACT estaria vinculado a uma determinada atuação (não podendo, no entender da aludida decisão, analisar a participação e promover o arquivamento do processo no caos de concluir não existirem os elementos necessários para instaurar a respetiva ação judicial). A decisão recorrida entendeu que esta é a correta interpretação dos preceitos em causa, sustentando não ter enquadramento legal o entendimento no sentido de que o Ministério Público tem a possibilidade de analisar a participação e promover o arquivamento do processo se concluir que o mesmo não contém os elementos necessários para instaurar a respetiva ação judicial. É esta a posição defendida por Viriato Reis e Diogo Ravara, que a este respeito, referem o seguinte: «(…) o Ministério Público pode, em face da análise que faça da participação da ACT, entender que a mesma não contém os elementos necessários que permitam a instauração da ação judicial. Essa liberdade de apreciação decorre necessariamente da autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida. A ocorrer tal situa- ção, o Procurador da República deverá, a nosso ver, proferir um despacho a fundamentar o seu entendimento quanto à falta de viabilidade da ação, e promover o arquivamento do processo. Mas como tal sucede após o início da instância, caberá ao juiz proferir despacho de absolvição da instância, com fundamento na verificação de uma exceção dilatória inominada» (Cfr., Viriato Reis e Diogo Ravara, Reforma do Pro- cesso Civil e do Processo do Trabalho, E-books – O Novo Processo Civil, Caderno IV (2.ª edição) , O Novo Processo Civil – Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, junho de 2014, pp. 105-106, acessível na internet em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_IV_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf) . A decisão recorrida, ao socorrer-se desta argumentação como fundamento para recusar a aplicação, em bloco, do regime jurídico que disciplina a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, parte do pressuposto que a «entidade administrativa é quem, em bom rigor, determina a propositura de uma ação declarativa ao Ministério Público», ao qual «está vedada qualquer margem de apreciação da viabilidade da ação». Ainda que a premissa em que assentou a decisão recorrida se verificasse, sendo certo que não cabe ao Tribunal Constitucional censurar a correção das interpretações aí perfilhadas, não se poderia concluir pela violação do referido princípio da autonomia do Ministério Público. Com efeito, conforme se referiu, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que a garantia da autonomia do Ministério Público tem o seu campo de eleição no âmbito do processo penal. Ora, estando-se no caso concreto perante uma intervenção do Ministério Público na área da jurisdição laboral, é de entender que, face aos interesses em causa, a atuação processual do Ministério Público neste campo não reclama uma autonomia com um grau de intensidade idêntico ao que é exigido no âmbito do exercício da ação penal. Esta ponderação foi efetuada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 226/11, em que era também invocada a violação do princípio da autonomia do Ministério Público e em que não foi julgada inconstitu- cional a norma constante do artigo 41.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na parte em que exige o prévio acordo da autoridade administrativa para a retirada da acusação pelo Ministério Público. A norma questionada, respeitante ao regime das contraordenações laborais e de Segurança Social, condiciona o exercí- cio da faculdade de o Ministério Público retirar a acusação ao prévio acordo da autoridade administrativa (cfr. artigo 41.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro), ao contrário do que acontece no regime geral das con- traordenações, em que o exercício de tal faculdade é apenas precedido, quanto à autoridade administrativa,
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