TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

455 acórdão n.º 204/15 da contestação, simultaneamente «com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário» e o artigo 186.º-O, também do Código de Processo do Trabalho prevê, no seu n.º 1, que «[s]e o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los». Independentemente das eventuais deficiências técnicas deste regime apontadas pela decisão recorrida (matéria sobre a qual não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se), a verdade é que o mesmo garante a interven- ção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador, a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente, por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral).» Face ao exposto, não se afigura que o regime da ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho viole o direito a um processo equitativo. 2.4. Da violação do princípio da autonomia do Ministério Público Segundo a decisão recorrida, decorre do disposto nos artigos 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, aditado pelo artigo 4.º da referida Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, e dos artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-K, n.º 1, do CPT, que a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho se inicia 20 dias após a receção pelo Ministério Público da participação remetida pela ACT, quando esta entidade, após ação inspetiva, considerar existirem indícios de um contrato de trabalho, sustentando, por isso, que é a ACT, entidade administrativa, quem, em bom rigor, determina a propositura da referida ação, retirando-se ao Ministério Público qualquer autonomia para decidir da respetiva viabilidade. Ainda de acordo com a decisão recorrida, não tem enquadramento legal o entendimento no sentido de que o Ministério Público tem a possibilidade de analisar a participação e promover o arquivamento do pro- cesso se concluir que não contém os elementos necessários para instaurar a respetiva ação judicial, pois a lei manifestamente impõe ao Ministério Público um prazo de 20 dias para intentar a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não lhe permitindo atuar de modo diferente. Conclui, por isso, que o regime legal em causa viola o princípio da autonomia do Ministério Público consagrada no artigo 219.º, n.º 2, da Constituição. Dispõe esta norma constitucional que o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei. Daqui decorre, em primeiro lugar, que o Ministério Público é um órgão constitucional de administra- ção da justiça, dotado de autonomia e independência, concretizando-se a referida autonomia através de um estatuto próprio, no qual se consagra um conjunto de garantias que têm em vista salvaguardar a independên- cia desta magistratura em face de outras entidades públicas. Esta autonomia do Ministério Público, numa dimensão negativa, implica a exclusão da heterodetermi- nação, mediante a subordinação a outras entidades públicas, bem como a exclusão de qualquer dependência do poder político (cfr., J. Miranda e R. Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 239); numa dimensão positiva, tal autonomia assenta na possibilidade de decisão própria, de acordo com critérios de legalidade e objetividade, dos quais deriva a exigência de imparcialidade, tanto no que respeita à exigência de falta de interesse pessoal no processo pelo magistrado interveniente, como no sentido de falta de empenhamento numa determinada posição material (cfr., J. Miranda e R. Medeiros, op. cit. , p. 209). Assim, sendo inquestionável que a autonomia do Ministério Público constitui um traço essencial na definição desta magistratura como um órgão de administração de justiça, tem sido também reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal que a garantia constitucional de tal autonomia tem o seu campo de eleição no âmbito do processo penal (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos n. os 516/93, 226/11 e 660/11).

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