TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
453 acórdão n.º 204/15 Ora, como é manifesto, nos casos em que se tenha recorrido a uma prática de utilização abusiva ou frau- dulenta de mecanismos que visavam impedir a aplicação do regime laboral, não se poderá falar em iniciativa económica privada exercida nos quadros definidos pela lei. Face ao exposto, não se nos afigura que o regime da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» viole o direito à liberdade, em qualquer das suas dimensões, designadamente, a liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição. 2.3. Da violação do direito a um processo equitativo A decisão recorrida considerou que a interpretação da lei no sentido de que o Ministério Público pros- segue exclusivamente um interesse de ordem pública e que o trabalhador, sendo parte na ação, não pode ter um interesse conflituante com aquele, ofende o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (tutela jurisdicional efetiva) e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um processo equitativo). Ou seja, a decisão recorrida parece fazer assentar a aludida violação do direito a um processo equitativo na circunstância de o trabalhador, embora deva ser considerado parte principal, não poder ter uma posição que seja conflituante com o interesse público subjacente à ação em causa, interesse público esse que é pros- seguido pelo Ministério Público. Seguidamente, depois de tecer diversas considerações sobre as diferenças entre a tramitação proces- sual da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e a correspondente ação declarativa comum, acrescenta ainda a referida decisão que «a difícil distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, patente no regime de presunção previsto no artigo 12.º do Código do Trabalho, e na correspondente complexidade da ação declarativa comum destinada a qualificar o contrato celebrado entre as partes não é compatível com esta nova ação, simples, urgente, e imposta aos contraentes por uma enti- dade administrativa», concluindo que «não é através desta forma de processo, simplificada e apressada, que os direitos dos trabalhadores e/ou mesmo o interesse público, sobretudo numa matéria reconhecidamente (inclusive pelo legislador) complexa, estão melhor defendidos pela via processual comum». O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4). A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito nor- mativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevi- das, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94). Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um pro- cesso equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito,
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