TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
452 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 479/94, 663/98, 471/01, 71/10, 181/10 e 54/12). Assim, é manifesto que não está aqui em causa a violação do direito à liberdade, na dimensão consa- grada no artigo 27.º da Constituição, podendo, quanto muito, estar em causa outra dimensão da liberdade, concretamente, a liberdade de iniciativa económica privada a que se refere o artigo 61.º da Constituição ou, conforme sugere também a decisão recorrida e é sustentado pela recorrida, os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, subjacentes ao princípio do Estado de direito democrático. É o que importa agora apreciar. A garantia da liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no n.º 1 do referido artigo 61.º, tem sido entendida num duplo sentido: «por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e atividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial» (cfr., J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 790). Importa, contudo salientar que, embora a Lei Fundamental garanta a iniciativa económica privada como direito fundamental, tal não significa que a gestão de cada empresa fique entregue ao puro arbítrio do empresário, pois que, conforme resulta do artigo 61.º, n.º 1, a iniciativa económica privada exerce-se livre- mente «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral». Daí que incumba ao Estado não só uma obrigação de estímulo à atividade empresarial privada, mas também, concomitantemente, a obrigação de fiscalização dessa atividade, no sentido de verificar se as obri- gações legais são cumpridas e de, em caso de incumprimento, punir as infrações verificadas. Assim, conforme se refere também no Acórdão n.º 94/15, a respeito da invocada violação da liberdade de escolha do género de trabalho, o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não tem em vista impor a quem presta determinada atividade remunerada que o faça, contra a sua vontade, em regime de contrato de trabalho, mesmo que o pretenda fazer em regime de trabalho independente. O que se pretende é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço nas situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser apli- cado o regime laboral. E, conforme se refere ainda no aludido Acórdão, independentemente das eventuais deficiências técnicas deste regime (matéria sobre a qual não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se), a verdade é que o mesmo garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facul- tada ao trabalhador, a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho. Por outro lado, como se salientou ainda no Acórdão n.º 94/15, o princípio da autonomia privada não tem a mesma amplitude que no direito civil, sofrendo antes diversas limitações determinadas, desde logo, por razões ligadas à proteção do trabalhador que implicam a criação de limitações imperativas à tendencial preponderância do empregador na modelação dos termos e do conteúdo da relação laboral. É neste contexto que tem de ser entendido o regime jurídico cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, o qual visa prevenir as situações de utilização abusiva da figura do contrato de prestação de ser- viços em relações de trabalho subordinado ou da utilização dos chamados “falsos recibos verdes”, enquanto práticas de fuga ao regime laboral. Desta forma, mesmo que se pudesse configurar este regime como uma restrição à liberdade de iniciativa económica, o que não se vislumbra, tendo em conta o conteúdo deste direito, ter-se-ia de entender que tal restrição se enquadraria dentro dos limites permitidos pelo artigo 61.º, n.º 1, da Constituição que, como vimos, garante a livre iniciativa económica privada exercida «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral».
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=