TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

446 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 1. Delimitação do âmbito do recurso A recorrida, nas suas contra-alegações, invocou novos fundamentos de inconstitucionalidade das nor- mas cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo, entendendo que o Tribunal Constitucional deverá tomar conhecimento de outros argumentos de inconstitucionalidade dos preceitos cuja aplicação foi recusada, para além dos convocados pela decisão sob recurso, ao abrigo dos poderes de cognição que lhe são conferidos pelo artigo 79.º-C, in fine , da LTC. De acordo com esta norma, o Tribunal Constitucional pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma cuja aplicação tenha sido recusada com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada. No entanto, estes poderes cognitivos conferidos ao Tribu- nal Constitucional estão circunscritos à questão de inconstitucionalidade suscitada no processo em causa e apreciada pelo tribunal a quo, conforme decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, da LTC. No caso concreto, a decisão recorrida rejeitou a aplicação de todo um conjunto de normas que estabe- lecem o regime jurídico da ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, prevista no artigo 26.º, n.º 1, alínea i) , e cuja tramitação se encontra disciplinada nos artigos 186.º-K a 186.º-R, todos do Código de Processo do Trabalho, com fundamento na violação dos princípios do Estado de direito demo- crático, da liberdade, da iniciativa privada, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, da autonomia do Ministério Público e do direito a um processo equitativo. Ou seja, rejeitou a aplicação de todo um bloco normativo no qual se encontra prevista e regulada a tramitação da referida ação, sendo que os fun- damentos em que fez assentar essa recusa de aplicação dizem respeito, genericamente, a esse regime jurídico na totalidade e não às soluções especificamente previstas em cada uma das suas normas. Assim, a recorrida, ao pretender que o Tribunal Constitucional tome conhecimento das questões de constitucionalidade que enuncia nas suas contra-alegações – questões essas respeitantes a aspetos específicos regulados em algumas das normas do referido regime jurídico e que não foram objeto de apreciação pelo tribunal a quo no caso concreto – está a sugerir que, enxertada num processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, se proceda a uma apreciação abstrata da conformidade constitucional de tais preceitos normativos. Ora, conforme se disse, os poderes de cognição conferidos ao Tribunal pelo artigo 79.º-C da LTC no âmbito dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade circunscrevem-se à questão de incons- titucionalidade «suscitada» no processo em causa e apreciada pelo tribunal a quo, conforme decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, da LTC, sendo que não integram o âmbito do recurso as questões de incons- titucionalidade em relação às quais não se verifiquem os respetivos pressupostos de admissibilidade. No presente caso, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a sua admissibilidade pressupõe que a decisão recorrida tenha recusado efetivamente a aplicação de certa norma ou interpretação normativa relevante para a resolução do caso e que tal desaplicação normativa se funde num juízo de inconstitucionalidade do regime jurídico nela estabelecido. Ora, a decisão recorrida, conforme se disse, recusou a aplicação de todo o regime jurídico em que se encontra prevista e regulada a tramitação da ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, com base em fundamentos de inconstitucionalidade que dizem respeito, genericamente, ao conjunto das normas que integram esse regime, pelo que, a ser procedente algum desses fundamentos, o juízo de incons- titucionalidade abrange necessariamente todas essas normas. Ou seja, tal decisão não recusou a aplicação individualizada de cada uma das normas do aludido regime jurídico, não se tendo pronunciado, em termos de tal ser relevante para a dirimição do litígio concreto, sobre questões relativas a aspetos específicos regu- lados em algumas dessas normas, nos termos e com os contornos agora definidos pela recorrida nas suas contra-alegações.

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