TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
445 acórdão n.º 204/15 5.º Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autó- nomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial. 6.º Os tribunais apenas são chamados a resolver conflitos de interesses, pelo que a ação especial de reconhe- cimento da existência de contrato de trabalho deveria supor a existência do interesse específico em clarificar ou esclarecer situação jurídica controvertida. 7.º A possibilidade conferida a terceiro de, sem interesse dos contraentes, nem conflito entre eles, convocar a tutela jurisdicional do Estado para qualificar o vínculo que estes mantêm, num ordenamento jurídico caracterizado pela liberdade contratual e autonomia da vontade, infringe a proteção da confiança ínsita no princípio do Estado de Direito democrático. 8.º Na ordem jurídica nacional, o princípio da proteção da confiança também garante ao cidadão que cumpre o contrato que celebrou, por acordo e sem conflito de interesses com a outra parte, que por iniciativa de terceiro estranho ao pacto, não será arrastado para litígio que se esgota na qualificação jurídica de vínculo de natureza privada. 9.º Interpretação que identificasse como público o interesse a prosseguir pela presente ação, reconhecendo ao Ministério Público a sua autoria, remetendo o putativo trabalhador para papel meramente acessório ou de assis- tência e subordinando a vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público, infringiria a conformação constitucional de situações jurídicas ainda decorrente do Estado de Direito democrático, como a liberdade de escolha do género de trabalho ou o direito a tutela jurisdicional efetiva mediante processo equitativo, bem como, noutro plano, a liberdade de iniciativa económica. 10.º Diversas soluções normativas da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – a desig- nação dada à ação e respetivas partes, a intervenção da autoridade pública apenas contra uma das partes, o efeito cominatório pleno da revelia do réu, as limitações probatórias, o regime de custas – revelam tratamento desequili- brado e parcial dos sujeitos processuais, que infringe o direito a processo equitativo. 11.º A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho pode obstar ao exercício pleno do direito a advogado, contrariando o valor da tutela jurisdicional efetiva de que aquele direito constitui corolário. 12.º A promoção processual obrigatória da participação da Autoridade para as Condições do Trabalho que dá início à instância na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, é contrária ao princípio cons- titucional da autonomia do Ministério Público. 13.º A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho põe em causa a liberdade de escolha do género de trabalho, porque a prestação oferecida a título profissional pode ser reconduzida a modelo contratual típico ( in casu , o contrato de trabalho) por efeito de vontade de terceiro, sem consideração pelos interesses especí- ficos de quem a realiza, nem pelas opções tomadas aquando do respetivo exercício. 14.º A mesma liberdade de escolha do género de trabalho é postergada pela circunstância de a tramitação processual em apreço permitir que um sujeito de Direito (o putativo trabalhador) veja declarada a existência de contrato de que é parte, sem ter tido oportunidade de conhecer a existência da sujeição a juízo da correspondente pretensão, nem de sobre ela se pronunciar. 15.º A diferença de tratamento processual entre as situações idênticas de putativo trabalhador abrangido por ação inspetiva da Autoridade para as Condições do Trabalho e outro que o não seja, quanto ao ónus de impulso processual, representação por mandatário judicial, tramitação processual urgente e responsabilidade pelos custos do processo, ofende o princípio constitucional da igualdade de tratamento. 16.º Atentas as dimensões constitucionais convocadas – os princípios da proteção da confiança, da liberdade de iniciativa económica, do direito a tutela jurisdicional efetiva mediante processo equitativo, do direito a advogado, da autonomia do Ministério Público, da liberdade de escolha do género de trabalho e da igualdade – e o modo como a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho se estrutura em oposição àquelas, a incons- titucionalidade atinge todas as normas dos artigos 26.º/1, alínea i) e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, na redação dada pela Lei n.º 63/2013 (…).»
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