TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

443 acórdão n.º 204/15 o tivesse tido, tal aplicação não seria imputável à Mm.ª decisora (cuja declaração sobre esta matéria constitui mero obiter dictum ) mas, exclusivamente, ao Ministério Público subscritor da petição inicial, pelo que nunca poderia constituir ratio decidendi da presente decisão. 146. Em consequência, e apesar de defendermos que a douta decisão recorrida não teve oportunidade de aplicar qualquer das normas jurídicas contestadas na dimensão julgada lesante do princípio da autonomia do Ministério Público, plasmado no n.º 2, do artigo 219.º, da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de entender que, independentemente de tal consideração, não se verifica a violação do referido princípio constitucional por parte de qualquer das normas legais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho. 147. Quanto aos restantes princípios constitucionais cuja arguição de violação foi aduzida pela Mm.ª Juiz a quo , porque reproduzem os invocados pelo Mm.º Juiz da 2.ª Secção, do 2.º Juízo, do Tribunal do Trabalho de Lis- boa, nos Processos n. os 814/14 e 822/14 deste Tribunal Constitucional, e, por outro lado, emulam os argumentos ali apresentados, parafraseámos o por nós alegado em tais autos, nos termos que passamos a replicar. 148. A decisão impugnada, desprezando os potenciais desequilíbrios (e mesmo desigualdades) entre os con- tratantes-patrões e os contratantes-trabalhadores, que constituem a razão de ser do desenvolvimento do direito do trabalho enquanto ramo especial do direito privado, trata o contrato de trabalho como se de um qualquer contrato celebrável entre contraentes colocados no mesmo plano fáctico-jurídico – um contrato do âmbito do direito civil – se tratasse. 149. Desvaloriza, igualmente, que, por via da regulamentação laboral estatuída, se propõe o legislador ordi- nário compatibilizar a liberdade contratual, corolário do princípio da autonomia privada, com o princípio da igualdade nas suas vertentes de proibição do arbítrio e de obrigação de diferenciação. 150. Concretizando o seu pensamento, e lançando os fundamentos da decisão de não aplicação das normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, por incons- titucionalidade, admite, a Mm.ª decisora a quo , que o regime legal criado por estas normas jurídicas, representa uma intromissão ilegítima do Estado numa relação jurídica de natureza absolutamente privada, impondo aos contraentes a resolução judicial de um litígio inexistente e a desnecessária conformação de interesses convergentes ou não conflituantes, sem que se verifique qualquer interesse público cuja prossecução justifique tal intervenção, o que não se aceita. 151. Acontece que, contrariamente ao afirmado pela Mm.ª Juiz a quo , entendemos que o bloco normativo desaplicado não limita a liberdade contratual ou a autonomia das partes, uma vez que não as inibe de celebrarem quaisquer tipos de contratos, nomeadamente contratos de prestação de serviços. 152. Para além disso, também não aceitamos que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho promova um litígio onde o conflito era inexistente e os interesses contratuais eram convergentes, uma vez que, se o nomen juris atribuído ao contrato não corresponder aos seus objeto e conteúdo, em fraude à lei, então é seguro que inexiste tal convergência de interesses e que o litígio só não é espoletado porque o contraente mais frágil se encontra económica, social e juridicamente constrangido. 153. Contestados estes pressupostos ideológicos, contesta-se, igualmente, a consequência abusiva retirada pela douta decisão impugnada, no sentido de que a introdução, pelo legislador, de uma nova forma processual sem qualquer alteração legislativa do direito substantivo privado, constituiria uma mutação da ordem jurídica com a qual os destinatários não poderiam contar. 154. A previsibilidade da atuação dos poderes públicos, ínsita nos princípios da segurança jurídica e da con- fiança, reporta-se a expectativas, legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos e não, conforme resulta do sustentado na douta decisão recorrida, do desejo privado de imutabilidade da ordem jurídica. 155. Ora, conforme resulta, com evidente clareza, do caso sob escrutínio, nunca o Estado criou, nos cidadãos – trabalhadores ou empregadores –, qualquer expectativa de imutabilidade da ordem jurídica no tocante a meios processuais de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, que os levasse a prever, conformando, assim, as

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