TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
436 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Salienta-se, ainda, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, também, especificamente sobre a alegada violação do direito à autonomia contratual coletiva por força de reduções remuneratórias imperati- vas, fundadas em razões de contenção orçamental, em termos que, por aplicação da jurisprudência anterior, aqui se reitera. De facto, a esse propósito, no âmbito do Acórdão n.º 187/13, pode ler-se o seguinte: «(…) Violação do direito de contratação coletiva (…) Para os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/2012, as normas constantes do n.º 15 do artigo 27.º e do n.º 9 do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, ao disporem que os regimes de redução remuneratória aí previstos têm natureza imperativa, prevalecendo sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho e contratos de trabalho e não podendo ser por isso afastados ou modificados pelos mesmos, violam o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição. Esta norma confere às associações sindicais o direito e a competência de exercer o direito de contratação cole- tiva, “garantido nos termos da lei”. Deve começar por dizer-se que a existência de normas legais imperativas, entendendo-se como tais as normas que estabelecem cláusulas fixas (que não podem ser substituídas) ou que impõem condições mínimas para a tutela da relação laboral (que apenas podem ser substituídas por outras disposições que prevejam um regime mais favorá- vel), não é, em si, contraditória com o direito à contratação coletiva. Apenas significa que tais normas consagram o estatuto legal do contrato – aplicável aos trabalhadores abrangidos por contrato de trabalho em funções públicas – e que não põem em causa o estatuto contratual, que é constituído, além do mais, pelas normas dos instrumentos de regulamentação coletiva que não contrariem aquelas outras disposições. A interligação entre essas diferentes dis- posições e a sua adição às cláusulas do contrato, definindo, na sua globalidade, o regime jurídico da relação laboral, não representa uma qualquer violação do direito instituído pelo artigo 56.º, n.º 3, da Constituição [cfr. artigos 3.º e 478.º, n.º 1, alínea a) , do Código do Trabalho, e 4.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro]. Por outro lado, e ainda que as normas em causa, por consagrarem reduções remuneratórias, possam ser quali- ficadas como “legislação do trabalho”, para efeitos do âmbito de incidência do artigo 56.º da Constituição, o certo é que, conforme pacificamente resulta da doutrina e da jurisprudência constitucionais, o n.º 3 daquele preceito, embora atribua às associações sindicais a competência para o exercício do direito de contratação coletiva, “devolve ao legislador a tarefa de delimitação do mesmo direito, aqui lhe reconhecendo uma ampla liberdade constitutiva” (acórdão n.º 94/92 e, no mesmo sentido, Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, p. 1118). O direito à autonomia contratual coletiva, apesar de constitucionalmente colocado sob reserva de lei, implica que não possa deixar de haver um espaço abrangente de regulação das relações de trabalho que se encontre subme- tido à disciplina contratual coletiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual. Sendo este direito garantido «nos termos da lei», tal significa que “a lei não pode deixar de delimitá-lo de modo a garantir-lhe uma eficácia constitucionalmente relevante, havendo sempre de garantir uma reserva de convenção coletiva, ou seja, um espaço que a lei não só não pode vedar à contratação coletiva, como deve confiar a esta núcleos materiais reserva- dos” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 745). Assim configurada, a questão a resolver consistirá então em saber se o legislador ordinário, ao retirar à regu- lamentação coletiva uma certa matéria – no caso, a possibilidade de fixar para a retribuição do trabalho normal um valor distinto daquele que resulta da aplicação das medidas orçamentais consagradas para o ano de 2013 nos artigos 27.º e 29.º, todos da Lei n.º 66-B/2012 – veio “reduzir de tal modo aquele espaço da autorregulação constitucionalmente garantido que põe em causa a possibilidade de realização do direito de contratação coletiva” (Acórdão n.º 94/92). Considerando a atendibilidade do interesse público prosseguido através do esforço de consolidação orçamental – ponto que mais detidamente desenvolveremos no âmbito da ponderação implicada nos princípios da proteção da confiança e da igualdade – não parece que da obrigação que ao legislador ordinário constitucionalmente se impõe de “deixar sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto” à negociação coletiva possa
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