TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

433 acórdão n.º 194/15 do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional. (…) Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a forma- ção de planos de vida assentes na continuidade dessa situação. As reduções agora introduzidas, na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabelecida pela atuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas. E trata-se de reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compro- missos assumidos pelos cidadãos. Sem esquecer que, relativamente a algumas categorias de destinatários, elas se cumularam com outras medidas anteriores de redução remuneratória. (…) Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excecionali- dade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a eco- nomia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comunicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante infor- mação a esse respeito. Neste contexto, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrou na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunera- ções. Medidas desse teor foram efetivamente tomadas noutros países, com larga anterioridade em relação à publi- cação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011, e com reduções remuneratórias mais acentuadas do que aquelas que este diploma veio a implementar. Pode pôr-se em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos. Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme. Na verdade, à situação de desequilíbrio orçamental e à apreciação que ela suscitou nas instâncias e nos merca- dos financeiros internacionais são imputados generalizadamente riscos sérios de abalo dos alicerces (senão, mesmo, colapso) do sistema económico-financeiro nacional, o que teria também, a concretizar-se, consequências ainda mais gravosas, para o nível de vida dos cidadãos. As reduções remuneratórias integram-se num conjunto de medi- das que o poder político, atuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente conjun- tural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação popular. Não se lhe pode contestar esse poder-dever. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/01: «Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legisla- dor, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legi- timidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte».

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