TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
432 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva do trabalho”. Quanto à relação de emprego público, admite-se que a lei (qualquer lei) possa prever reduções remuneratórias [cfr. o citado artigo 89.º, alínea d) ]. O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo. Deste modo, não colhe a argumentação de que existiria um direito à irredutibilidade do salário que, consa- grado na legislação laboral, teria força de direito fundamental, por virtude da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição. Se assim fosse, o legislador encontrar-se-ia vinculado por tal imperativo, o que, como vimos, não sucede. Em segundo lugar, não se pode dizer, uma vez garantido um mínimo, que a irredutibilidade do salário seja uma exigência da dignidade da pessoa humana ou que se imponha como um bem primário ou essencial, sendo esses os critérios materiais para determinar quando estamos perante um direito subjetivo que se possa conside- rar “fundamental” apesar de não estar consagrado na Constituição e sim apenas na lei ordinária (Cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 4.ª ed., Coimbra, 2009, p. 79-80). De resto, o legislador constituinte teve a preocupação de estabelecer uma densa rede protetiva da contrapartida remuneratória da prestação laboral, dando consagração formal, no texto da Constituição, às garantias que enten- deu serem postuladas pelas exigências de tutela, a este nível, da condição dos trabalhadores. Assim é que, para além do reconhecimento do direito básico à retribuição, manda-se observar o princípio de que “para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” [alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º], fixa-se como incum- bência do Estado “o estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional” [alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo], acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º). Não é de crer que o programa constitucional, tão exaustivamente delineado, nesta matéria, só fique integralmente preenchido com a atribuição da natureza de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição, qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante. Direito fundamental, esse sim, é o “direito à retribuição”, e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/07). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garan- tística contida no âmbito de proteção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remu- neratório traduza uma afetação ou restrição desse direito. Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de direta proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por parâmetros valora- tivos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa. (…) Não estando em causa a afetação do direito a um mínimo salarial, (…) a irredutibilidade apenas poderá resultar do respeito pelo princípio da proteção da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade. É a eventual violação dos princípios da confiança e da igualdade, (…) que, de seguida, analisaremos. (…) Já vimos que a redução remuneratória tem natureza orçamental não sendo, por isso, definitiva. Ainda assim, poderá questionar-se se não violará o princípio da proteção da confiança. A proteção da confiança traduz a incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em conceção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP). A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que pro- ceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto,
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