TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

403 acórdão n.º 125/15 como processo criminal», sendo que «as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização» [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , e n.º 2, da Constituição]. Os decretos-leis autorizados que não respeitem a lei de autorização – mesmo não contendo matéria inovatória – são inconstitucionais, pois que, tratando-se de matéria de competência legislativa reservada da Assembleia da República, só é lícito ao Governo legislar sobre ela nos precisos termos da autorização. Os motivos da inconstitucionalidade podem traduzir-se na ultrapassagem dos limites da autorização, como é o caso de se legislar sobre matéria diferente ou para além da autorizada, ou no desrespeito pelo sentido e exten- são da autorização, como sucede quando se legisle em sentido divergente do autorizado (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, p. 341). No caso vertente, a dúvida de constitucionalidade suscitada pelo recorrente parece reportar-se mais precisamente à extensão da autorização. A extensão da autorização especifica quais os aspetos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as alterações a introduzir por força do exercício dos pode- res delegados e distingue-se de outros requisitos constitucionais enunciados no n.º 2 do artigo 165.º, como o objeto ou o sentido da autorização. O sentido da autorização legislativa, como um seu limite interno, está associado a uma exigência de princípios e critérios orientadores da ação do Governo e deverá permitir compreender a finalidade da con- cessão dos poderes delegados na perspetiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente. Por seu turno, o objeto e a extensão da autorização constituem elementos destinados a delimitar as fron- teiras dos poderes que vão ser alvo da delegação. O objeto consiste na enunciação da matéria sobre a qual a autorização vai incidir, podendo ser feita por mera remissão ou de forma indireta ou até implícita, quer por referência a atos legislativos preexistentes, quer por decorrência dos princípios e critérios diretivos aplicados a uma matéria genericamente enunciada ou a matérias conexas. A extensão da autorização refere-se a aspe- tos da disciplina jurídica daquelas matérias que vão ser objeto de modificação (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 358/92). 4. Pretende o recorrente que o decreto-lei autorizado, ao cominar uma sanção penal para a frustração de créditos sempre que seja «instaurada a ação executiva e nela não se conseguir satisfazer inteiramente os direitos do credor», está a instituir um tipo legal de crime mais amplo, nos seus elementos constitutivos, do que aquele que resulta do artigo 227.º para a insolvência dolosa, que torna exigível, como resultado da ação, uma «situação de insolvência», e, como condição de punibilidade, o «reconhecimento judicial da insolvência». Daí concluindo o recorrente que o decreto-lei autorizado excedeu os limites da lei de autorização legislativa, que preconizou a criminalização da frustração de créditos «em termos equivalentes» ao crime de insolvência dolosa. Parece, no entanto, claro que o objeto e o sentido da autorização legislativa foi o de instituir um novo tipo legal associado ao pagamento de dívidas que se encontrem já reconhecidas por sentença condenatória, visando evitar a frustração de créditos através da execução, sendo essa uma incriminação que é necessaria- mente distinta da insolvência dolosa, que é antes aplicável a devedores que se tenham colocado fraudulenta- mente em situação de insuficiência económica para cumprimento das suas obrigações vencidas. Ainda que visem uma finalidade comum de prevenção da prática fraudulenta de atos de diminuição patrimonial que inviabilizem o pagamento de dívidas, o certo é que os tipos legais enquadram realidades distintas do ponto de vista jurídico e factual, de modo que a assimilação pretendida pelo legislador parla- mentar terá de ser entendida em termos hábeis e não poderá corresponder à simples duplicação, no crime de frustração de créditos, do exatos elementos constitutivos que integram o crime de insolvência dolosa. De outro modo, se se tornasse exigível, em relação ao crime de frustração de créditos, o resultado típico da criação de um estado de insolvência e, como condição de punibilidade, a declaração judicial de insolvên- cia, não se teria justificado, do ponto de vista de política legislativa, a autonomização de um novo tipo legal, na medida em que, nessa eventualidade, a conduta punível seria já abrangida, e apenas poderia ser abrangida, pelo crime de insolvência dolosa.

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