TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de admitir o recurso, posição que só foi alterada na sequência do acórdão de uniformização de jurisprudên- cia, de 5 de junho de 2012 (Acórdão n.º 3/13), muito depois da entrada do recurso, e num momento em que, em condições de normalidade, o recurso já deveria ter sido apreciado e julgado quanto ao mérito. Sendo que, no caso concreto, a decisão proferida pelo tribunal a quo não poderia caracterizar-se como uma decisão sumária, nos termos e para os efeitos da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º, por não se tratar manifestamente de decisão sobre questão simples ou cuja fundamentação tenha sido abreviada ou feita por remissão, colocando dúvidas acrescidas quanto à viabilidade de aplicação do regime processual previsto nessa disposição. E, nesse circunstancialismo, não resultando do processo que tivesse havido intervenção de um órgão colegial de julgamento, a prolação de decisão por juiz singular na qualidade de relator no uso da competência específica deferida pelo artigo 94.º, n.º 3, do CPTA, teria de ser suficientemente fundamentada. Para além disso, um regime legal ou a interpretação que os tribunais fazem desse regime não pode difi- cultar de modo excessivamente oneroso a atividade das partes, nem implicar consequências processuais que sejam desproporcionadas à gravidade e relevância da falta ou deficiência que lhes seja imputada. No caso concreto, o tribunal superior, ao decidir, de forma imprevista e contrária à prática jurispru- dencial vigente à data da interposição do recurso, que havia lugar a prévia reclamação para a conferência, determinou como necessária consequência que ficasse definitivamente precludida a possibilidade de a parte reagir contra a sentença por virtude de, à data da interposição do recurso – a que corresponde a um prazo mais amplo de 30 dias –, se encontrar já esgotado o prazo para a reclamação para a conferência. Essa consequência surge como mera decorrência do decurso do prazo, que era mais curto e corria desde a notificação da sentença, e que se encontrava já extinto à data em que foi prolatado o acórdão de rejeição do recurso, sem que ao interessado fosse dada qualquer possibilidade de suprimento. Isso apesar de o erro pro- cessual em que a parte incorreu ser objetivamente desculpável, não apenas porque a determinação do meio idóneo de reação não era inteiramente líquida do ponto de vista jurídico e a intervenção do juiz singular como relator não foi suficientemente fundamentada, mas também porque a parte seguiu a prática jurispru- dencial então uniformemente aplicável que só foi alterada muito depois da data da interposição do recurso. Sem poder ignorar-se que a sujeição das partes a um prazo mais curto para reagir contra uma sentença, que, pela complexidade das questões que teve de apreciar, se não enquadra no contexto típico de uma decisão sumária, é em si mesmo contrária ao princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus processuais. 12. O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação norma- tiva pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4). Como se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/10, esse é o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário na conformação das normas de processo, e embora ele tenha apoio textual expresso apenas nesse n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, verdade é que através da garantia do processo justo ou equitativo se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2.º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à “igualdade de armas”). Em idêntico sentido, em situação similar à agora analisada, o Tribunal também considerou que a «expressão constitucional de um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso», justificando-se nessas circunstâncias que a garantia do processo equitativo se entrecruze com outros parâmetros constitucionais como os que emanam do artigo 2.º da Constituição. E cabe ainda assinalar que a garantia do processo equitativo, para além do direito a uma solução jurídica dos conflitos em prazo razoável e a um correto funcionamento das regras do contraditório nas suas diversas vertentes, e do direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, contempla também o direito à fundamentação

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=