TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
395 acórdão n.º 124/15 10. Sendo embora certo que o legislador dispõe de uma ampla margem de livre apreciação na definição da tramitação do processo, designadamente no que se refere aos requisitos de forma dos atos das partes, aos ónus processuais que sobre estas incidem e às cominações que resultam da inobservância das regras proces- suais, é ponto assente que essa matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sentido útil ou razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação pro- cessual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se o Acórdão n.º 468/01, que julgou inconstitucional a inter- pretação dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) , 669.º, n.º 1, alínea a) , e 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual, apresentado o requerimento de aclaração do acórdão, não podia a mesma parte arguir ulteriormente a respetiva nulidade, ficando coartada quanto ao recurso a esse mecanismo processual, ou o Acórdão n.º 260/02, que julgou inconstitucional a norma do artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o requerimento de interposição de recurso, ainda que a falta decorra de lapso objetivamente desculpável e seja sanada antes de decorrido o prazo fixado para recorrer. Dentro dessa mesma linha de entendimento, e como decorrência do princípio do processo equitativo, não são também aceitáveis as interpretações normativas que de forma inovatória e surpreendente, face aos textos legais e às orientações consolidadas da jurisprudência, venham impor exigências formais com que as partes não podiam razoavelmente contar e sancionem o incumprimento desculpável desses requisitos em termos definitivos e irremediáveis, de modo a impedir qualquer forma de suprimento ou correção (neste sentido, Lopes do Rego, «Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil», in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, p. 840). É esta a situação analisada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/02, que julgou inconstitu- cional a norma do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a recla- mação aí prevista não é meio adequado de impugnação do despacho de não admissão do recurso quando nela se suscitam questões complexas, em que veio a concluir-se pela total imprevisibilidade de uma tal inter- pretação na medida em que a norma não contém qualquer ressalva em função da pretensa complexidade das questões a resolver. Por outro lado, nesse mesmo aresto, o Tribunal considera que não pode deixar de ponderar, na aprecia- ção da questão de constitucionalidade, e para aferir da previsibilidade da interpretação normativa adotada, as orientações jurisprudenciais que são seguidas, de forma pacífica, maioritária ou suficientemente sedimen- tada, quanto aos textos legais que devam ser aplicados (ainda sobre a necessidade de o Tribunal Constitucio- nal analisar e ponderar as diferentes correntes jurisprudenciais e doutrinárias existentes antes de decidir se certa exigência de forma é ou não imprevisível, Lopes do Rego, ob. cit., pp. 847-848). E nesse sentido não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar. 11. No caso vertente, já se sublinhou que as normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, na medida em que impõem a reclamação para a conferência de decisão sumária proferida pelo relator, não são de interpretação inequívoca, quando aplicáveis às decisões emitidas pelo juiz singular em primeira ins- tância, não podendo estabelecer-se um paralelismo absoluto com o mecanismo tradicionalmente previsto na lei processual para os recursos cíveis. E, por outro lado, à data em que foi interposto o recurso jurisdicional, a jurisprudência pacífica, nessas situações, quer nos tribunais de primeira instância quer nos tribunais centrais administrativos, era no sentido
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