TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL transitórias eventualmente aplicáveis, e decidir diversas questões prévias que poderiam conduzir à absolvição da instância ou à absolvição do pedido. A ação acabou por ser julgada procedente, o que significa que não se tratava de caso em que a preten- são era manifestamente infundada, e a decisão de fundo incidia sobre uma específica questão de direito de urbanismo relativamente à qual dificilmente poderia existir jurisprudência comum, e, muito menos, juris- prudência que tenha resolvido caso idêntico de modo uniforme e reiterado. Por isso mesmo, também, é que a sentença não adota uma fundamentação sumária ou por remissão, mas desenvolve antes uma fundamentação autónoma que apenas se torna aplicável àquele caso concreto. A decisão de 9 de janeiro de 2009 tem, pois, toda a aparência de uma sentença proferida pelo juiz sin- gular no âmbito da sua competência própria e na fase processual própria de julgamento, e fora de qualquer contexto legal ou factual que permitisse caracterizá-la como uma decisão sumária, de que fosse possível interpor uma reclamação para a conferência. De resto, os juízes-adjuntos, na suposição de que o julgamento cabia a uma formação de três juízes, não foram chamados a intervir no julgamento da matéria de facto, visto que o relator dispensou a produção de prova na fase de instrução, e não tiveram qualquer outra intervenção no processo, pelo que, na ausência de uma qualquer outra explicitação, sempre seria difícil às partes determinar se a sentença foi proferida na qualidade de juiz singular ou na qualidade de relator em processo cujo julgamento coubesse a órgão colegial. Sendo, aliás, admissível o entendimento de que não é já possível o julgamento do processo em formação de três juízes, quando tenha sido dispensada a produção de prova – como sucedeu no caso –, ainda que o valor da causa seja superior à alçada. Isso porque a dispensa de produção de prova tem como natural decor- rência que se torne desnecessário, nesse caso, o julgamento da matéria de facto, que pressupõe a existência de uma fase de instrução e justificava a intervenção da formação alargada (neste sentido, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edi- ção, p. 574). O que significaria, no caso, que, por efeito da ausência de produção de prova que justificasse um julga- mento de facto, a decisão caberia, não já ao órgão colegial, mas ao juiz singular, no âmbito da competência- -regra, e de que seria possível a imediata interposição de recurso jurisdicional. 9. Para além de tudo o que anteriormente se expôs, tem relevo recordar que o recurso interposto pela ora recorrente foi admitido pelo tribunal a quo e à data da sua interposição (9 de março de 2009) era pacífica a jurisprudência no sentido de admitir o recurso jurisdicional de decisão de primeira instância, independente- mente de estar em causa decisão proferida pelo juiz relator nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 3, do CPTA. Por outro lado, a decisão que é agora objeto de recurso de constitucionalidade, para rejeitar o recurso com fundamento na falta de prévia reclamação para a conferência, veio invocar jurisprudência de tribunais superiores que é posterior à data da entrada do recurso e que não poderia ser do conhecimento da recorrente no momento em que este praticou o ato processual. Quanto à dificuldade das questões jurídicas suscitadas pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2 do CPTA, é também sintomático que o STA tenha emitido entretanto dois acórdãos de uniformização de jurisprudên- cia que pretendem complementar-se, abordando diferentes aspetos da mesma questão (Acórdãos n. os 3/12 e 1/14), e que tenha proferido outras decisões em recursos de revista, que foram admitidos no pressuposto de que se tornavam necessários para uma melhor aplicação do direito (acórdãos de 28 de março de 2012, de 10 de outubro de 2013, de 5 de novembro de 2013, de 26 de junho de 2014 e de 29 de janeiro de 2014, já citados), e que ainda recentemente tenha aceitado um outro recurso de revista relativamente a um caso em que o recurso jurisdicional de sentença é interposto antes da data da publicação do acórdão uniformizador n.º 3/12, com base no argumento de que antes dessa data ainda não se encontrava fixada a orientação juris- prudencial (acórdão de 29 de maio de 2014).
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