TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
393 acórdão n.º 124/15 de pôr em causa o processo equitativo, por se entender que a decisão sumária assenta necessariamente numa fundamentação que é já do conhecimento geral, por resultar de jurisprudência consolidada, ou é facilmente apreensível pelo interessado por se tratar de questão evidente. Em contrapartida, a intervenção do relator em substituição da formação de três juízes fora do preciso condicionalismo do artigo 27.º, n.º 1, provoca um injustificado agravamento da posição processual da parte, seja porque há uma preterição da competência-regra, seja porque a parte, não estando em causa questão simples, passa a dispor de um prazo de reação mais curto. Tudo leva a concluir – em ordem aos princípios de certeza e segurança jurídica – que, nas ações admi- nistrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, não baste a simples invocação da norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA para legitimar a avocação pelo juiz singular da competência legalmente deferida a uma formação de três juízes, sendo antes necessário fundamentar essa decisão por referência, na situação concreta, à existência dos requisitos de que depende a emissão de uma decisão sumária. Tanto que a decisão de julgar sumariamente a ação pode ser, ela própria, objeto de impugnação pela parte que se consi- dere prejudicada pelo afastamento do órgão judicial normalmente competente para o julgamento. 8. O caso vertente causa uma maior perplexidade no ponto em que a invocação na sentença de primeira instância da norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , bem como a do artigo 87.º, n.º 1, alínea b) , não tem qualquer correspondência com a situação vertida nos autos. Aparentemente, terá sido intenção do juiz proferir decisão sumária na fase de saneamento do processo, assim se compreendendo que tenha proferido sentença de fundo com invocação simultânea de um disposi- tivo que faz alusão à possibilidade de o relator proferir decisão sumária e de um outro que respeita à elabo- ração do despacho saneador. No entanto, a possibilidade de o processo ser julgado pelo juiz ou relator, logo no saneador, segundo o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) , do CPTA [a sentença refere-se certamente por lapso à alínea c) ], depende da verificação cumulativa de dois requisitos: (a) ser possível conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, por o estado do processo permitir, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória; (b) terem as partes prescin- dido do direito de apresentarem alegações finais. Por sua vez, a dispensa de produção de prova, bem como da apresentação de alegações, pode ser reque- rida pelo autor, na petição (artigo 78.º, n.º 4), mas só tem como consequência que o processo possa ser decidido no despacho saneador se houver o acordo das partes, e, portanto, se a entidade administrativa e os contrainteressados, na contestação, se pronunciaram favoravelmente em relação ao requerimento nesse sentido formulado pelo demandante (artigo 83.º, n.º 2). No caso dos autos, o juiz dispensou a produção de prova – o que implica o reconhecimento da desneces- sidade de abrir a instrução –, mas as partes haviam sido notificadas para apresentarem alegações escritas (por não ter sido requerida nem acordada a sua dispensa), pelo que o processo só foi efetivamente julgado, após as alegações, na fase própria do julgamento, regulada nos artigos 92.º e seguintes do CPTA, e num momento em que tinha já sido ultrapassada a fase do saneamento. Por outro lado, também não se verificavam, no caso, qualquer das circunstâncias que permitia ao juiz, no termos do artigo 94.º, n.º 3, do CPTA, proferir uma decisão sumária. Já vimos que a decisão sumária, correspondendo a uma decisão liminar, tal como sucede no âmbito da lei processual civil em matéria de recursos, é aplicável quando a questão de direito a resolver é simples, e traduz-se numa decisão cuja fundamentação pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, exemplificando a lei com os casos em que a questão tenha já sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou em que a pretensão é manifestamente infundada. Ora, a sentença de primeira instância pronunciou-se sobre um pedido de declaração de nulidade da deli- beração camarária que licenciou um empreendimento turístico que data de 18 de dezembro de 1990, tendo tido necessidade de analisar o complexo regime do direito de loteamento ao tempo vigente e as disposições
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