TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

391 acórdão n.º 124/15 suscitadas são manifestamente improcedentes (neste sentido, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Coimbra, p. 631). Importa ainda ter presente que a intervenção de um órgão colegial no julgamento de primeira instância (apreciando a matéria de facto e de direito) tem uma justificação no plano legislativo. Tendo ocorrido, com a reforma de contencioso administrativo de 2002, uma alteração do quadro de distribuição de competên- cias entre os diferentes graus da hierarquia dos tribunais administrativos, que implicou que os processos de jurisdição administrativa, na sua generalidade, passassem a ser intentados nos tribunais administrativos de círculo, essa foi a solução encontrada pelo legislador para compensar o facto de ter sido transferida para esses tribunais um conjunto de litígios em que a decisão em primeira instância era tradicionalmente atribuída a tribunais superiores (cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 403). Pretendendo-se, desse modo, que a atribuição de competência a um órgão colegial confira maior ponderação e objetividade ao julgamento nos casos em que estejam em causa processos que envolvam órgãos superiores da Administração Pública, ou que, em função do valor da causa, possam revestir-se de maior com- plexidade (cfr. acórdão do STA, de 5 de dezembro de 2013, processo n.º 1360/13). No entanto, a transposição para a primeira instância de mecanismos de julgamento que eram tradicio- nalmente aplicáveis nas instâncias de recurso, ainda que possa encontrar-se justificada por considerações de política legislativa, não deixa de suscitar diversas dificuldades interpretativas, que põem em causa não apenas a determinabilidade da lei mas também outros aspetos atinentes à realização do processo equitativo e do princípio da segurança jurídica. Introduz-se, desde logo, um maior grau de dúvida quanto à definição do órgão judicial interveniente face à deslocação da competência com base na utilização de conceitos jurídicos indeterminados, como são aqueles que permitem a prolação de decisão sumária (questão de direito simples; pretensão manifestamente infundada). Por outro lado, as normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, do CPTA, quando interpretadas no sentido de imporem a reclamação para a conferência de decisão sumária proferida pelo relator em primeira instância, estão em antinomia com o artigo 142.º, n.º 1, do mesmo Código, que, sem qualquer ressalva, permite genericamente o «recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa» nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, aí se incluindo necessariamente o recurso de decisão sobre o fundo da causa que tenha sido proferida pelo relator no uso da competência deferida pelo artigo 94.º, n.º 3. O que poderá abrir caminho a uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 27.º de modo a considerar a reclamação para a conferência aí prevista como sendo aplicável apenas a despachos ou decisões que não sejam diretamente objeto de recurso nos termos gerais em que este é legalmente admitido. A que acresce um outro fator de incerteza. É que, em certas eventualidades, o recurso baseia-se em fundamentos absolutos, isto é, em fundamentos que tornam o recurso admissível independentemente dos valores da causa e da sucumbência, sendo esse o caso, designadamente, quando o recurso tenha como funda- mento a violação das regras da competência absoluta do tribunal [artigo 678.º, n.º 2, do Código de Processo Civil a que corresponde o artigo 629.º, n.º 2, alínea b) , do Novo Código de Processo Civil]. O que permite afastar a subsidiariedade do recurso em relação à reclamação para a conferência quando o relator, em violação das regras de competência definidas para o juiz singular, tenha avocado o poder decisório fora do condiciona- lismo previsto no artigo 94.º, n.º 3, do CPTA. Neste caso, haveria sempre lugar a recurso e não a reclamação, visto que não faria sentido que o controlo da decisão impugnada fosse levado a efeito através de um meio de reação a apresentar perante um dos órgãos judiciários cuja competência é questionada. 7. Neste condicionalismo, bem se compreende que o juiz de primeira instância a quem tenha sido dis- tribuído o processo e funcione como relator deva explicitar fundamentadamente, sob pena de induzir em erro as partes, a qualidade e os poderes em que intervém quando decide avocar a competência originária do

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