TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
377 acórdão n.º 123/15 – prosseguir o objetivo de celeridade na resolução daquele conflito de modo a minorar os óbices à célere introdução de genéricos no mercado dos medicamentos (o legislador fala em «estrangulamentos»). Como se pode retirar da exposição de motivos da respetiva proposta de lei, o regime de composição de litígios assim configurado propõe-se conciliar os interesses relevantes em presença. Se devemos ter em conta que a proteção dos direitos de patente, ao garantir a confiança no investimento realizado na investigação e inovação dos produtos farmacêuticos, propicia o desenvolvimento científico e tecnológico ao serviço da saúde das pessoas, invoca o legislador que o incremento da comercialização de medicamentos genéricos, com menores custos para os cidadãos e para o Estado, serve finalidades de igual relevância «como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores» (cfr. Exposição de Motivos, cit. ). Contudo, sem prejuízo da relevância dos interesses e direitos invocados, há de ser tido em conta que a configuração do mecanismo de composição de litígios estabelecido na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro – confinado aos estritos limites temporais estabelecidos para efeitos da tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial invocados –, vedando o acesso à tutela jurisdicional para proteção destes direitos para além do momento estabelecido para o efeito, redunda numa compressão do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva que resulta na desproteção do próprio direito (de patente relativo a medi- camentos de referência) que se pretende tutelar. É que do regime normativo em análise resulta que a tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial em causa em face da introdução de medicamentos genéricos no mercado é antecipada para momento anterior ao da autorização administrativa concedida para o efeito. Assim, em face da ocorrência de eventuais violações do direito de patente derivada da comercialização de medicamentos genéricos ou da tomada de conhecimento dessa ocorrência que se verifique em momento posterior ao estabelecido no artigo 3.º, n.º 1 (e 9.º, n.º 3) da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, mostra-se vedada a tutela jurisdicional do direito afetado. E, tendo o legislador optado, como já se referiu, pela dissociação entre o procedimento administrativo conducente à emissão de uma AIM e o procedimento jurisdicional arbitral para tutela dos direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência, o ato autorizativo não garante, por si mesmo, a inexistência de eventuais violações do direito de propriedade industrial invocado. E a afetação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva decorrente da dimen- são normativa retirada da conjugação do artigo 3.º, n.º 1 (e, bem assim, do artigo 9.º, n.º 3) com o artigo 2.º, todos da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, afigura-se tanto mais excessiva quanto se atenda à natureza dos direitos a tutelar – que se enquadram no âmbito de proteção dos artigos 42.º, n. os 1 e 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, beneficiando eles próprios do regime garantístico dos direitos, liberdades e garantias, ou dos que lhe são análogos, plasmado no artigo 18.º da Constituição. Não obstante os interesses invocados pelo legislador – de celeridade enquanto meio para alcançar uma mais rápida introdução de medicamentos genéricos no mercado em prol do consumidor e com menor onerosidade para estes e para o próprio Estado – se afigurarem muito relevantes, o modo escolhido para os prosseguir encerra a desproteção, desde logo em termos de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, de um direito jusfundamental para além do momento temporal fixado para o efeito pelo regime legal em causa. Com efeito a impossibilidade de acesso à justiça para além daquele estrito momento traduz-se na impossibilidade de obter tutela – qualquer tutela – jurisdicional contra violações que podem pôr em causa a própria subsistência do direito de exclusivo quando tutelado por uma patente em vigor, face a medicamentos genéricos. Para mais, sendo o resultado do regime assim instituído a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa – quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente relativa a medicamentos de referência – tal consubstanciaria a final a prevalência do direito de livre iniciativa económica privada [artigo 80.º, alínea c), da Constituição)] sobre um direito desde logo ancorado na liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição) – esta concebida aliás como direito, liberdade e garantia – e no direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição)
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