TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

365 acórdão n.º 123/15 Além disso, devem ser consideradas as finalidades do regime de arbitragem necessária instituído pelo legislador no âmbito da sua liberdade de conformação, e os interesses públicos subjacentes ao mesmo, face aos interesses privados envolvidos. Como atrás se referiu, a opção essencial formulada pelo legislador na configuração do regime de arbi- tragem necessária assenta na autonomização (ou separação) da prévia tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial derivados de patentes sobre medicamentos de referência, face ao procedimento admi- nistrativo conducente à obtenção de uma AIM relativa a medicamentos genéricos (cfr. supra, 11.3.2). E isto, conforme consta da Exposição de Motivos, para assegurar o interesse público considerado relevante pelo legislador inerente à entrada célere de genéricos no mercado de medicamentos – assim, em particular, beneficiando os consumidores que acedem ao mercado de medicamentos genéricos mais acessíveis e, em geral, diminuindo os custos para o Estado e promovendo a concorrência no mercado e a liberdade de comer- cialização – por força da também célere e, sublinhe-se, prévia resolução dos litígios sobre a violação, ou não, de direitos de propriedade industrial – que envolvem, nesta fase, interesses predominantemente privados, também relevantes, e sem prejuízo de a respetiva resolução se poder projetar a posteriori no procedimento administrativo da AIM. A questão a que cumpre a final responder é, assim, a de saber se a interpretação normativa sindicada, enquanto interpretação normativa perfilhada no caso concreto – interpretação no sentido de apenas admitir a arbitragem (necessária) para as providências cautelares no específico âmbito de litígios sobre direitos de propriedade industrial derivados de patentes de medicamentos de referência em face da comercialização de medicamentos genéricos, sem intervenção de tribunal estadual – ainda assegura o direito de acesso aos tribu- nais e a uma tutela jurisdicional efetiva por parte dos titulares do direito de propriedade industrial derivados de patente em termos constitucionalmente conformes. Com efeito, estando em causa posições jurídico- -subjectivas constitucionalmente tuteladas (como se apreciou em supra, 11.2) é exigível ao legislador que assegure os meios processuais adequados para que tais posições – e os respetivos interesses privados – possam ser devidamente acautelados E, em concreto, se tal interpretação da norma que configura o regime aprovado pelo legislador, ao con- finar a tutela cautelar, relativa à proteção dos direitos de propriedade industrial derivados de patentes face a medicamentos genéricos, à intervenção de tribunal arbitral necessário, ainda assegura adequadamente aquele direito ou, pelo contrário, traduz uma tal desproteção que justificaria a desfiguração da própria essência do regime adotado pelo legislador no âmbito da sua liberdade de conformação, alicerçada na autonomização, face ao procedimento administrativo de AIM, da resolução dos litígios atinentes à invocação de direitos de propriedade industrial, derivados de patentes, relacionados commedicamentos de referência e medicamentos genéricos, confiando-a, em exclusivo, à justiça arbitral necessária, incluindo no que respeita à tutela cautelar. Desde logo há que considerar que, podendo entender-se que a resolução de litígios emergentes de direi- tos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos – e apenas com este âmbito circunscrito e envolvendo interesses privados – por via da intervenção de tribunal arbitral necessário, instituído pelo legislador, configura tão somente uma questão prejudicial relativamente ao procedimento administrativo de AIM, o acesso aos tribunais judiciais e à tutela jurisdicional efetiva, incluindo para a decretação de providências cautelares, por parte do titular de direito de patente, não ficará, à partida, definitivamente precludido. Com efeito, uma vez decidido o litígio em sede de tribunal arbitral necessário em favor do titular do direito de propriedade industrial, não se afigura decorrer do regime jurídico em causa e da sua interpretação ora sindicada que fique prejudicado o ulterior recurso aos meios processuais administrativos comuns – e assim, aos tribunais judiciais competentes – dirigidos ao procedimento de AIM, incluindo o recurso a providências cautelares adequadas, deste modo acautelando, ainda que em momento posterior ao da decisão arbitral, o direito fundamental de acesso aos tribunais (estaduais) e à tutela jurisdicio- nal efetiva. E tal possibilidade afigura-se determinante para a formulação de um juízo de não desconformi- dade da interpretação normativa do caso com o parâmetro constitucional invocado.

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