TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
357 acórdão n.º 123/15 12. A questão é nova na jurisprudência constitucional portuguesa. Com efeito, a atenção deste Tribunal não foi até à data especificamente dirigida à arbitragem (necessária) em sede cautelar. Mesmo em face do único regime normativo vigente que expressamente determina a arbitragem necessária para o decretamento de providências cautelares – a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (artigo 41.º, em especial n. os 2 e 3) – a questão foi apenas aflorada no Acórdão n.º 230/13 quanto a uma disposição do Decreto n.º 128/XII que não chegou a ser sufragada na versão aprovada e publicada do diploma, sendo que, de todo o modo, e como aliás assinalado no voto de vencido exarado pela Conselheira Maria João Antunes, naqueles autos «não foi questionada a conformidade constitucional de normas relativas (…) ao regime processual aplicável às provi- dências cautelares». Para a análise desta questão, importa ponderar, para além das considerações já tecidas sobre a arbitragem necessária em geral, as questões atinentes à arbitrabilidade das providências cautelares (e a sua concretização no ordenamento jurídico positivo) e aos limites inerentes à natureza dos tribunais arbitrais que se possam projetar sobre o exercício da justiça cautelar e assim consubstanciar uma limitação ou diminuição da tutela requerida em sede cautelar em face das garantias decorrentes do artigo 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição. 12.1. Cumpre primeiramente advertir que a questão da arbitrabilidade das providências cautelares se tem revelado especialmente controvertida. 12.1.1. No silêncio da anterior Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de agosto), a dou- trina e jurisprudência questionavam a competência dos Tribunais arbitrais em sede cautelar, tendo parte daquela e a maioria desta entendido mesmo que apenas os tribunais estaduais podiam decretar medidas cautelares (sobre o assunto, vide Mariana França Gouveia, «A Competência Cautelar do Tribunal Arbitral, em especial as providências executivas e as antissuit injuctions», in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 861-892, e Armindo Ribeiro Mendes, “As medidas cautelares e o processo arbitral (algumas notas)” in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, Ano 2009, Associação Portuguesa de Arbitragem, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 57-113). Do direito comparado, os exemplos são heterogéneos. Da proibição de emanação de providências cau- telares por tribunais arbitrais vigente na Argentina, na China, no Chile até 2004 e na Áustria até 2006, os exemplos mais próximos são-nos nos dados pelo artigo 818.º do Código de Processo Civil italiano, mesmo após a revisão operada em 2006, no qual se dispõe que: Gli arbitri non possono concedere sequestri, né altri pro- vvedimenti cautelari, salva diversa disposizione di legge e pelo artigo 22.º, § 4, da Lei de Arbitragem do Brasil de 1996, ao prever que o tribunal arbitral requeira ao órgão judiciário que seria originariamente competente para julgar a causa, a emissão das medidas coercitivas ou cautelares necessárias. Por outro lado, contamos também com a possibilidade de os tribunais arbitrais decretarem medidas cautelares, com alcance e condi- ções diversas, em vários ordenamentos jurídicos, como é o caso, designadamente, de Inglaterra, Alemanha, Rússia, Irlanda, Suécia, Áustria (depois de 2006), Holanda e Espanha [sobre o tema, em geral e com maior desenvolvimento, vide Armindo Ribeiro Mendes, As medidas cautelares e o processo arbitral (algumas notas) , cit. , pp. 66-77]. Entre nós, pese embora a abertura de parte da doutrina à arbitrabilidade das medidas cautelares, mesmo antes de expressa consagração legal [vide, por exemplo, Paula Costa e Silva, (“A Arbitrabilidade das decisões cautelares”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2003, 63 –, Vol. I / II –, abril 2003, disponível em www.oa.pt ; Armindo Ribeiro Mendes, “As medidas cautelares e o processo arbitral”, cit. .), eram assinalados limites a essa competência cautelar dos tribunais arbitrais. Entendia José Lebre de Freitas (“Algumas impli- cações da natureza da convenção de arbitragem” in Estudos sobre Direito Civil e Direito Processual, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 549-566, p. 549), analisando a Lei da Arbitragem Voluntá- ria então vigente: «No campo do direito disponível (artigo 1.º, n.º 1, da LAV), é admissível que as partes acordem, para dirimir os conflitos entre elas, no recurso a tribunais arbitrais. Consagrados no artigo 209.º n.º 2, da Constituição da República, estes tribunais são, porque constituídos por particulares, destituídos de
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