TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
355 acórdão n.º 123/15 Não poderá deixar de ser aqui considerado, em especial, o regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, submetendo-os a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada. Esta é a forma de tutela conferida pelo legislador aos titulares de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência em face da sua (possível) afetação pela introdução no mercado de medicamentos genéricos (similares), onerando-os com o recurso à arbitragem para a composição dos litígios emergentes da invo- cação de direitos de propriedade industrial. Não cabendo aqui a apreciação da opção legislativa em causa, releva, porém, a consideração da justiça arbitral, quer voluntária, quer necessária, como comungando de características próprias da função jurisdicional, refletidas numa vasta produção jurisprudencial deste Tribunal, dirigida embora a regimes diversos do que nos ocupa. Assim, no Acórdão n.º 259/97: “OTribunal Constitucional tem, a este respeito, elaborado uma jurisprudência impressiva. Como se salientou no Acórdão n.º 757/95 – publicado no Diário da República , II Série, de 27 de março de 1996 – já por diversas vezes se afirmou (cfr., Acórdãos n. os 419/87 e 98/88, publicados naquele jornal oficial , II Série, de 5 de janeiro de 1988 e 22 de agosto seguinte, respetivamente) que “embora a administração da justiça caiba em exclusivo aos tribunais, tal não significa que esse exclusivo respeita apenas aos tribunais estaduais; abrange também os tribunais arbitrais que, não podendo considerar-se órgãos de soberania, são verdadeiros tribunais” (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 230/86 e 33/88, respetivamente publicados no Diário da República , I Série, de 12 de setembro de 1986 e 22 de fevereiro de 1988). Não dando o texto constitucional uma definição de “tribunal”, há de esta radicar-se na natureza das funções que exerce, no seu caráter jurisdicional (cfr., Acórdão n.º 289/86, publicado no Diário citado, II Série, de 7 de janeiro de 1987), e no estatuto de independência e imparcialidade de quem desempenha tais funções. Os árbitros (…) compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do mon- tante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tomar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento”. Também assim no Acórdão n.º 52/92: “E «mesmo que os tribunais arbitrais se não enquadrem na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania (CRP, artigo 205.º), nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais» (cfr. o Acórdão n.º 230/86 do Tribunal Constitucional – Diário da República , I Série, de 12 de setembro de 1986). Com efeito, o «juiz-árbitro» desenvolve uma função jurídica pela qual declara o Direito (jurisdictio) , se bem que não possa executá-lo, ao invés do que se passa com o «Juiz-funcionário». Mas pode dizer-se que «esta evidente ausência de potestas por parte do árbitro, enquanto não representa ou encama a organização jurídico-política do Estado, se vê compensada com a auctoritas (cfr. José Medina e José Merchán, Tratado de Arbitraje Privado Interno y Internacional, Madrid, 1978, p. 183). «As decisões do árbitro são verdadeiras e próprias decisões jurisdicionais, dotadas de autoridade» (cfr. Carlo Guarnieri, L’Independenza della Magistratura, Pádua, 1981, p. 23).” O regime instituído pela Lei n. º 62/2011, de 12 de dezembro, submete, como vimos, a arbitragem necessária a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, cabendo recurso para o Tribunal da Relação competente da decisão arbitral proferida, com efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 3.º, n.º 7).( ... )”. Daqui decorre que os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011 não são inconstitucionais, não violando o acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP que garante a todos, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem o artigo 268.º, n. os 4 da CRP, que é uma manifestação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º, n.º 1, quando consagra que: “4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente prote- gidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.”
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=