TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
353 acórdão n.º 123/15 que se contemplem mecanismos que proporcionem aos tribunais estaduais a última palavra na resolução desses litígios.(…).» Cumpre observar que o regime legal que nos ocupa contém expressa previsão da intervenção de tri- bunal judicial a título de recurso da decisão arbitral (de mérito). Assim dispõe o n.º 7 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011: «Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito mera- mente devolutivo». Pode daqui retirar-se que o legislador instituiu um mecanismo de reexame da decisão arbitral perante um órgão judicial do Estado, permitindo ao particular discutir a decisão arbitral que se pronunciou sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, pôs termo ao processo arbitral, junto do Tribunal da Relação competente, a quem caberá a última palavra na resolução dos litígios submetidos à jurisdição arbitral neces- sária. Assim sendo, em certa medida, o regime de arbitragem necessária em análise (decorrente da norma inserta no artigo 2.º da Lei n.º 62/2011) vai ao encontro das garantias assinaladas na jurisprudência citada. Prevalecemo-nos do Acórdão n.º 230/13: «(…) A possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 desse mesmo artigo 202.º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º, não significa que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito e que não possam ser estabelecidos, com base nessa reserva de jurisdição, certos limites à constituição de tribunais arbitrais. E deverá ter-se presente que o direito de acesso aos tribunais, como direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional, é também ele um “corolário lógico da tendencial resolução dos conflitos através de tribunais estaduais”. A este propósito Pedro Gonçalves observa que a garantia do artigo 20.º, n.º 1, da Constitui- ção, é a do “direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbitrais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado” ( ob. cit., p. 565, nota 450). A admitir-se esta asserção como válida para os tribunais arbitrais voluntários, por maioria de razão ela é apli- cável aos tribunais arbitrais necessários, visto que a criação destes tribunais resulta de imposição legal e impede os interessados de recorrerem ao tribunal da ordem judiciária comum que seria normalmente competente para dirimir o conflito. E é nesse sentido que aponta o autor agora citado quando refere que “o facto de a Constituição incluir os tribunais arbitrais nas categorias de tribunais não assegura a constitucionalidade dos tribunais arbitrais necessários em todos os casos: só é pensável admitir a imposição da composição arbitral quando não se encontre vedado o acesso aos tribunais estaduais, hipótese que só se verifica se não estiver excluída a possibilidade de recurso da decisão arbitral para aqueles tribunais” ( ob. cit., p. 573).(…)». Na linha da jurisprudência constitucional citada, a arbitragem necessária no domínio que nos ocupa não se mostrará desconforme com a garantia decorrente do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdi- cional efetiva, na medida em que se encontra assegurada a intervenção de tribunal estadual na reapreciação das decisões proferidas quanto à questão de fundo na justiça arbitral. 11.3.4. Não obstante, a questão colocada pela interpretação normativa recorrida nos presentes autos não se esgota nesta dimensão da arbitragem necessária quanto a questões de fundo, reportando-se antes à arbitragem necessária no tocante a providências cautelares. Assim sendo, não pode ser transposta, sem mais, a jurisprudência constitucional citada para o efeito da ponderação das questões colocadas pela dimensão normativa equacionada nos presentes autos. Ademais, é de assinalar que da interpretação conjugada do n.º 7 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, que prevê a garantia de recurso para tribunal estadual, com o artigo 2.º da mesma Lei, segundo o qual a
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