TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Admitindo que, fora dos casos individualizados na Constituição em que há lugar a uma reserva absoluta de jurisdição, o direito de acesso aos tribunais poderá ser assegurado apenas em via de recurso, caso em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal, o Tribunal identificou especiais dificuldades porque “estamos perante uma forma de arbitragem necessária e a autoridade administrativa implicada no processo arbitral é uma entidade privada que apenas intervém na execução de uma tarefa de interesse público por efeito da transfe- rência do exercício de poderes pertencentes a uma entidade pública e que, apesar da transferência, se mantêm na sua titularidade”. Considerou o Tribunal Constitucional não ser “aceitável, num primeiro relance, que o Estado delegue pode- res de autoridade numa entidade privada, operando por essa via uma privatização orgânica da Administração relativamente ao exercício de uma certa tarefa pública, e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdicional de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam praticadas no quadro jurídico dessa delegação de competências.” E que, em tese geral, “a exigência de previsão de um meio de recurso para um tribunal estadual, no quadro da arbitragem necessária, torna-se mais evidente, no plano jurídico-constitucional, quando não estão em causa meras relações de direito privado, nem meras relações jurídicas administrativas em que as partes se encontrem em situação de paridade, mas antes relações jurídicas que decorrem do exercício de poderes de autoridade.” Entendeu-se que, para além disso, a circunstância de estarem “implicados poderes de autoridade que resultam de uma transferência de responsabilidade no exercício de uma certa tarefa pública, de que o Estado é ainda o titular e por cuja execução continua a ser o garante, justifica que se invoque uma reserva relativa de juiz que proporcione aos tribunais estaduais a última palavra na resolução de litígios que resultem dessa intervenção administrativa delegada.” E que “ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicio- nal, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada, que, no caso do Tribunal Arbitral do Desporto, é imposta obrigatoriamente aos potenciais lesados por decisões unilaterais praticadas por entidades desportivas no exercício de poderes de autoridade.” Concluiu o Tribunal Constitucional que o “direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tenden- cialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição, que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre e voluntário. Ademais, a intervenção de órgãos judiciais do Estado torna-se particularmente exi- gível quando se trate de assegurar, no quadro regulatório da atuação de entidades privadas investidas em poderes públicos, a sua vinculação à lei e aos princípios materiais de juridicidade administrativa, e, desse modo, também, a adequada fiscalização do desempenho da tarefa pública que lhes incumbe.” Concluiu, ainda, que neste contexto a irrecorribilidade das decisões arbitrais “representa uma clara violação do direito de acesso aos tribunais, não apenas por se tratar de decisões adotadas no âmbito de uma arbitragem necessária, mas também pela natureza dos direitos e interesses em jogo e pelo facto de estar em causa o exercício de poderes de autoridade delegados.” Clarificando, depois, que o direito fundamental de acesso aos tribunais impõe que as partes possam discutir num tribunal estadual o mérito da decisão arbitral e que a restrição do direito de acesso aos tribunais resulta “da insuficiência dos mecanismos de acesso à justiça estadual, na medida em que não se contempla um mecanismo de reexame perante um órgão judicial do Estado relativamente às situações comuns em que o particular pretenda discutir a decisão que se pronuncia sobre o fundo da causa ou que ponha termo ao processo”. Decorre, assim, da jurisprudência do Acórdão n.º 230/13 que pode ser atribuída à jurisdição arbitral necessária do TAD competência para conhecer litígios que têm por objeto atos e omissões das federações e outras entida- des desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, concedidos por efeito da delegação de poderes efetuada pela atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva e para conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem, desde

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=