TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

350 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Depois, porque, caso sejam reconhecidos, na arbitragem, os direitos de propriedade industrial invoca- dos e condenado o demandado a respeitá-los, isto é, a não comercializar o medicamento em causa, para mais não conferindo a lei efeitos suspensivos ao processo arbitral, afigura-se, tal como decorre estritamente do regime legal vigente, possível (se ainda não decidida) ou intocada na sua validade (se, entretanto, decidida) a concessão de autorização (administrativa) de introdução no mercado de medicamento genérico, pelo que o cumprimento da sentença arbitral, ao determinar o não exercício, pelo demandado, dos direitos conferidos por este ato administrativo, concorre necessariamente para esvaziar a autorização de introdução no mercado dos únicos efeitos a que se destina e, no limite, para a respetiva caducidade (é que a não comercialização do medicamento por um período de três anos tem por consequência a caducidade do respetivo ato autorizativo). Acresce que se afigura redutor conceber o litígio a arbitrar como uma questão puramente de direito privado, exclusivamente reportada aos interesses dos particulares litigantes, em torno das pretensões discre- pantes dos direitos exclusivos derivados da patente, por um lado, e a iniciativa económica de exercício de direitos de comercialização que possam com aqueles contender, por outro lado. Vieira de Andrade configura os direitos em presença como direitos fundamentais, previstos e protegi- dos pela Constituição portuguesa, convocando, do mesmo passo, relevantes interesses públicos e privados. Assim: «(…) Desde logo, o problema convoca o relacionamento e o conflito entre direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, consagrados na Constituição portuguesa, como na generalidade dos sistemas jurídicos europeus e na ordem internacional – o direito de propriedade industrial, de um lado, e a liberdade de exercício da atividade económica, do outro. Acresce que, no domínio em causa, esse conflito se manifesta num embate entre interesses públicos de primeira grandeza e entre interesses privados especialmente relevantes para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Por um lado, a promoção da investigação e da inovação em matéria de produtos farmacêuticos, absolutamente vital para a promoção e defesa da saúde pública, ao implicar a proteção da confiança e dos investimentos realizados pela iniciativa privada, justifica e reforça a proteção normativa da propriedade das respetivas patentes, através do reconhecimento efetivo do monopólio da primeira exploração. Por outro lado, a necessidade de redução dos custos da saúde e a importância do desenvolvimento de um mercado de medicamentos mais acessíveis para os cidadãos e mais baratos para o Estado, ao aconselhar o aumento da concorrência entre as empresas farmacêuticas e a diminuição de exclusivos de facto, fortalece a liberdade de comercialização, designadamente dos medicamentos genéricos.(…)» (cfr. ob. cit., pp. 70-71). E, mais à frente, escreve o Autor: «(...) É da perspetiva da proteção do direito de patente, enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado, com força normativa irradiante sobre a lei e a administração, que vamos analisar a relação jurídica sub- jacente ao procedimento administrativo de introdução de medicamentos no mercado – embora sem esquecer que a patente, pelo exclusivo que por natureza comporta, exprime uma supremacia estabelecida e, portanto, um limite à liberdade de exercício da atividade económica, também ela um direito fundamental com assento constitucional. A ótica justifica-se, quer pela necessidade de responder em primeira linha à questão posta, quer por ser esse o enquadramento adequado para a solução do problema no contexto da ordem jurídica nacional. Percebe-se que a perspetiva possa ser outra no sistema jurídico da União Europeia, em que os valores de refe- rência são os da concorrência e da liberdade de exercício da actividade económica no espaço europeu, não havendo uma legislação comunitária em matéria de patentes. Aí, o exclusivo derivado da patente é visto como uma restrição quantitativa dos valores comunitários da liber- dade e da concorrência, ou como “medida de efeito equivalente” – uma restrição que, no entanto, se justifica com base na exceção de proteção da propriedade industrial, concebida como um valor nacional reconhecido na União

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