TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
349 acórdão n.º 123/15 sua configuração como um conflito estritamente entre particulares, apresenta dimensões que em nada são estranhas às relações jurídico-administrativas decorrentes dos direitos conferidos por via da concessão da patente sobre o medicamento de referência ou, por outro lado, da concessão da autorização de introdução no mercado do medicamento genérico. Sendo certo que parte de diferente perspetiva, releva, todavia, a análise de Vieira de Andrade (“A prote- ção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medi- camentos”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, novembro-dezembro de 2008, n.º 3953, pp. 70 e segs., p. 81): «Ora, a AIM, como o próprio nome indica, tem como única e principal finalidade permitir a introdução do medicamento no mercado e, até pelo esforço que exige da Administração, pressupõe uma intenção séria e atual do requerente de comercialização imediata ou a curto prazo – mesmo que o requerente não tenha uma verdadeira obrigação, tem seguramente o ónus de iniciar a comercialização, até porque, se o não fizer no prazo de três anos, haverá lugar à caducidade da autorização. Por sua vez a patente de invenção visa assegurar o exclusivo da comercialização do produto protegido, sendo essa a sua principal razão de ser – de modo que o direito a impedir a comercialização do produto por terceiros sem o seu consentimento está incluído no conteúdo essencial do direito subjetivo fundado na patente, como direito absoluto que exige respeito universal.» Assim, não sendo de ignorar os pontos de contacto entre a pretensão de tutela dos direitos de pro- priedade industrial derivados de patentes de medicamentos de referência submetida a arbitragem e os atos administrativos que, a montante e a jusante, respetivamente, fundam os direitos invocados (a patente) e habilitam o exercício de direitos conflituantes com aqueles (a autorização de introdução no mercado), ambos submetidos à jurisdição administrativa, deve ponderar-se se a tutela requerida ao tribunal arbitral não terá reflexos naqueles atos administrativos. Aliás, é o próprio legislador que vem estabelecer que a falta de dedu- ção de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios eletrónicos, às partes, ao INFARMED, IP, e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, IP, o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial (artigo 3.º, n.º 6, da Lei n.º 62/2011), pese embora não confira qualquer efeito à comunicação em causa relativamente ao procedimento administrativo de concessão de AIM pelo INFARMED. Desde logo, no âmbito do próprio processo arbitral, a considerar-se a possibilidade de a defesa do demandado colocar em causa a validade da própria patente, designadamente a título reconvencional, é de notar que assim se traz à colação matéria reservada por lei à jurisdição estadual. Estas questões não se mos- tram, aliás, resolvidas pela leitura dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011. Não sem dúvidas, escreve Sofia Ribeiro Mendes: «(…) A Lei n.º 62/2011 prevê apenas dois articulados, o que significa que, à partida, se encontra vedado ao requerido a apresentação de reconvenção, solução que se coaduna com a circunstância de o legislador ter querido excluir destas arbitragens necessárias os litígios de propriedade industrial iniciados por empresas de genéricos con- tra empresas de medicamentos de referência. Já no que respeita à admissibilidade de o requerido invocar, na sua contestação, vícios referentes à patente, como seja a sua invalidade, e à competência do tribunal arbitral para conhecer dos mesmos, tal nos levanta grandes dúvidas, pois seria desprovido de sentido remeter a resolução destes litígios para a arbitragem necessária e obrigar as empresas de genéricos a ir discutir a validade da patente para o tribunal judicial competente.» (Cfr. «O Novo Regime de Arbitragem Necessária de Litígios Relativos a Medicamentos de Referência e Genéricos (alguns proble- mas)», in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 1005-1037, pp. 1026-1027).
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