TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

347 acórdão n.º 123/15 11.3.2. No caso que nos ocupa, a tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial derivados de patentes sobre medicamentos de referência é cometida aos tribunais arbitrais. Não sendo este um domínio que suscite reservas especiais de jurisdição, tal como decorrem da Constituição, seja o exemplo da matéria penal, pode admitir-se que a forma de tutela conferida pelo legislador aos titulares de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência em face da sua (possível) afetação pela introdução no mercado de medicamentos genéricos (similares), por recurso à arbitragem para a composição dos litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, não é, prima facie , vedada pela Constituição. É certo que o regime instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, submetendo a arbitragem necessária a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial sobre medicamentos de referência relativamente a medicamentos genéricos, reveste especial interesse em função do direito que a final se procura acautelar, também ele com assento constitucional, como já assinalado: o direito de propriedade industrial. Contudo, sem prejuízo da enorme relevância dos interesses em presença e, bem assim, do direito que se visa acautelar, considera-se que a matéria em causa não convoca, só por si, a garantia de uma reserva de tutela jurisdicional exclusivamente pública (estadual), subtraindo-a de qualquer alternativa – como é o caso da justiça arbitral – para a sua garantia. Esta primeira conclusão não permite, contudo, responder cabalmente às questões suscitadas no presente recurso de constitucionalidade, já que o recurso à arbitragem como forma de resolução de litígios – mesmo fora dos domínios exclusivamente reservados pela Constituição à justiça estadual – não deixa de convocar a atenção do juiz constitucional, mormente, como é o caso, tratando-se de arbitragem necessária. A questão colocou-se recentemente no Tribunal Constitucional quanto à instituição da arbitragem na justiça despor- tiva. Como se escreveu no Acórdão n.º 230/13: «(…) Mais problemática é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange ape- nas os tribunais voluntários (isto é, os instituídos por vontade dos interessados) ou também os tribunais necessários (ou seja, os impostos por lei), visto que estes implicam que os litigantes fiquem impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ordinários que seriam competentes, podendo, por isso, pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também o princípio da igualdade (expressando esta dúvida, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, p. 551; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 17). Todavia, o Tribunal Constitucional tem extraído do expresso reconhecimento constitucional da possibilidade de existirem tribunais arbitrais, o entendimento de que, não só os cidadãos podem, no exercício da sua autonomia de vontade, constituir tribunais arbitrais para resolução de determinados litígios, como o próprio legislador pode criá-los para o julgamento de determinada categoria de litígios, impondo aos cidadãos neles implicados o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos (Acórdãos n. os 52/92, 757/95 e 262/98). No entanto, a arbitragem necessária não releva da autonomia de vontade das partes e, nesse plano, apresenta contornos diversos dos simples tribunais arbitrais voluntários. Neste último caso, o litígio é cometido pelos interes- sados à decisão de árbitros, mediante uma convenção de arbitragem, desde que estejam apenas em causa interesses de natureza patrimonial ou as partes possam transacionar sobre o direito controvertido. A função jurisdicional dos tribunais arbitrais tem aqui natureza privada, na medida em que o seu fundamento imediato radica na liberdade contratual e na autonomia privada (Pedro Gonçalves, ob. cit., pp. 566 e 569). Isso explica que as partes possam determinar, por acordo, que o julgamento seja feito segundo o direito constituído ou segundo a equidade, ou por apelo à composição do litígio na base do equilíbrio dos interesses em jogo, e que só haja lugar a recurso da decisão arbitral se as partes tiverem previsto expressamente essa possibilidade e a causa não tiver sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (artigo 39.º da LAV). Ao contrário, se por lei especial o litígio for submetido a arbitragem necessária, a decisão de recorrer à jurisdição arbitral não se baseia num negócio jurídico celebrado entre as partes, mas no ato legislativo que impõe essa forma

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