TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E, mais à frente: «(…)De resto, o poder de decisão do tribunal arbitral, mesmo quando assenta na vontade das partes, tem uma óbvia dimensão institucional, sujeita a condicionamentos e restrições decorrentes da regulação estadual. A liber- dade de celebração de uma convenção de arbitragem, que se traduz na atribuição de competência a um tribunal arbitral, não é autorrealizável, ficando a eficácia do seu exercício dependente de uma atividade de administração da justiça estritamente conformada, de modo a oferecer garantias equivalentes às de um tribunal judicial. Ao admitir um poder de julgar paralelo ao dos tribunais integrados na organização judiciária, o Estado não se demite do seu papel de garante último da realização da justiça. Daí, além do mais, a observância imperativa, na tramita- ção a decorrer nos tribunais arbitrais, dos princípios fundamentais do processo (artigo 16.º da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto), cuja violação é fundamento de anulação da decisão [alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do referido diploma], e a proibição absoluta, em contratos de adesão, de cláusulas que “(…) prevejam modalidades de arbitra- gem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei” [alínea h) do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro]. O Estado não abre, designadamente, mão da garantia, a todos assegurada, do acesso à justiça. Quando a efeti- vação dessa garantia requer a prestação de apoio judiciário, não prevista no âmbito dos tribunais arbitrais, o único meio de evitar o resultado, constitucionalmente inaceitável, de denegação da justiça, é o reassumir de competência do tribunal judicial. Não pode invocar-se, em contrário, a tutela constitucional do livre desenvolvimento da perso- nalidade, pois ela não dá cobertura a um ato de autonomia privada, quando a sua execução nos termos acordados deixa inteiramente desprotegido o direito fundamental de acesso à justiça. (…)». Assim, passa-se à ponderação da aplicação dos demais parâmetros constitucionais cujo alegado desres- peito poderia determinar um juízo de desconformidade da interpretação normativa sindicada com o texto constitucional. 11.2. Desde logo, pode ser relevante a invocação do direito fundamental contido no artigo 42.º, n.º 2, da Constituição, que, ao concretizar o âmbito normativo de proteção da liberdade de criação cultural, aqui compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor. Na sua complexidade, o direito de patente sobre um medicamento de referência afigura-se demandar, quanto ao âmbito de proteção normativa, a confluência do direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, CRP) com o direito de criação cultural (artigo 42.º, idem ), ambos protegidos pela Constituição portuguesa. Numa primeira abordagem da fundamentalidade dos direitos em presença, já se escreveu no Acórdão n.º 2/13, «(…)Tais direitos de propriedade industrial, entre os quais os direitos fundados em patentes de medicamentos ou certificados complementares de proteção para medicamentos «encontram-se no domínio formalmente abrangido pelo preceito [constitucional que consagra o direito de propriedade como direito fundamental] e integram o conteúdo substancialmente protegido pela norma constitucional referente ao direito de propriedade privada» (J. C. Vieira de Andrade, “A proteção de direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , n.º 3953, 2008, p. 71).». E reportando-se os direitos de propriedade industrial à tutela da propriedade intelectual, cuja impor- tância não deixou de ser sublinhada na jurisprudência constitucional portuguesa (como ilustrado com a seguinte passagem do Acórdão n.º 577/11: «(…) a relevância que a tutela da propriedade intelectual assume na nossa ordem jurídica, tanto ao nível constitucional como ao nível internacional e europeu, conduz à con- clusão de que se trata de bem jurídico dotado de especial significado.»), pode mesmo requerer-se uma tutela acrescida àquela facultada pelo artigo 62.º da Constituição portuguesa. Assim, e em anotação ao artigo 42.º da Constituição, escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira que: «(…) o autor dispõe de direitos de pro- priedade intelectual incluindo o direito de cobrar retribuição pela utilização da sua obra. Daqui não resulta

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