TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

341 acórdão n.º 123/15 «(…) No caso sub judice , foi dada como comprovada a impossibilidade de o recorrido arcar com as custas judiciais, por insuficiência de meios económicos. Para efetivação do direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), estava, pois, em condições de beneficiar de apoio judiciário que, efetivamente, lhe foi concedido, na modalidade de apoio total, na ação por ele instaurada no tribunal judicial. A competência deste tribunal foi, todavia, impugnada pelo recorrente, réu nessa ação, com base na prévia estipulação de uma cláusula compromissória, que pretende ver integralmente executada. Não estando prevista a atribuição de apoio judiciário nos tribunais arbitrais, o cumprimento estrito desse acordo coloca o recorrido numa situação de indefesa. A situação conflituante nasce, precisamente, da impossi- bilidade de satisfação simultânea dos direitos pertinentemente invocados, ambos com tutela constitucional: o de liberdade negocial, como expressão da autodeterminação, a qual impõe a observância dos efeitos vinculativos do seu exercício sem vícios; o de tutela jurisdicional efetiva, que, nas circunstâncias concretas, aponta no sentido da inexigibilidade da sujeição a esses efeitos. E o modo como o problema se apresenta não permite uma solução que passe pela conciliação ou harmonização dos dois direitos em conflito, em termos de uma cedência recíproca deixar assegurada uma satisfação bastante de ambos. A concreta configuração dilemática deste conflito de direitos só admite uma solução optativa, de prefe- rência absoluta de um, com sacrifício total do outro: ou se cumpre a convenção de arbitragem, o que importará a denegação de justiça a uma das partes, por entraves de capacidade económica; ou, como único meio de garantir a este contraente o acesso à tutela jurisdicional efetiva, se dá como competente o tribunal judicial, o que significa negar eficácia ao livremente acordado na convenção de arbitragem. Em configurações deste tipo, o atendimento mínimo do interesse sacrificado só pode alcançar-se através da definição rigorosa dos pressupostos casuísticos que conferem “razões de prevalência” ao interesse tutelado. Os fatores de ponderação atendíveis apontam, todos eles, no sentido do segundo termo da alternativa acima enunciada. Na verdade, não está em causa, na estipulação de uma convenção de arbitragem, um aspeto nuclear da autodeterminação, uma sua manifestação primária diretamente presa ao seu étimo fundante, mas um seu modo de exercício muito específico, atinente à indicação convencional da competência decisória de um tribunal, situado fora da orgânica judiciária. Não poderá dizer-se que este modo concreto de exercício da liberdade negocial seja pos- tulado pela realização do indivíduo como pessoa. Não estamos, pois, dentro do domínio de “proteção máxima” da autodeterminação (cfr., quanto a este tópico e aos fatores de ponderação, em geral, Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Coimbra, 2007, 320 s.). Em segundo lugar, o interesse sacrificado com a preterição do tribunal arbitral é de ordem puramente ins- trumental, tem a ver apenas com o afastamento de uma via preferencial de apreciação e solução do litígio. Não é afetada, ainda que indiretamente, nenhuma posição material atinente à destinação dos bens. As possibilidades de realização do interesse final do recorrente, quanto ao objeto do litígio, mantêm-se intactas. Sendo assim, o sacrifício que a solução representa, para o interessado na via arbitral, afigura-se necessário e perfeitamente proporcionado à salvaguarda do bem protegido com a garantia da tutela jurisdicional. Satisfaz, pois, o critério da proporcionalidade, aqui aplicável, uma vez que, como se afirma no Acórdão n.º 254/99, «em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas». A solução contrária, acarretando, pela perda de apoio judiciário, a perda definitiva e total do direito de levar à apreciação de um tribunal uma pretensão jurídica, é que redundaria na desproteção absoluta da posição jurídica reivindicada, com lesão frontal e particularmente intensa de um valor primariamente constituinte do Estado de direito.(…).»

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