TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 247. Efetivamente, o Estado Fiscal não se sente minimamente pressionado a decidir os litígios jurídico tribu- tários, ficando o contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos – como é o caso dos autos – e com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio, designada- mente ao nível do empolamento dos juros de mora e dos encargos com a garantia que foi obrigado a prestar, 248. morosidade, essa, que o contribuinte não consegue controlar e que não lhe é imputável, 249. e com o efetivo risco de diminuição das suas garantias de defesa, na medida em que, fruto do enorme lapso de tempo decorrido, o contribuinte pode não conseguir fazer prova da inexigibilidade da dívida, designadamente por já não ter, nem ser obrigado a ter, em sua posse, recibos comprovativos do pagamento de dívidas com dezenas de anos. 250. Com efeito, a interpretação do artigo 49.º n.º 1 da LGT preconizada no douto Acórdão recorrido “dá cobertura” à ineficiência na resolução dos litígios tributários, já que a contagem do prazo de prescrição se mantém interrompido e só se reinicia quando transitar em julgado a decisão da impugnação judicial. 251. Não pode essa interpretação servir para colmatar aquilo que o legislador e o poder político se revelaram incapazes de dar solução – de resolver os litígios jurídico-tributários em tempo útil. 252. Nos últimos anos, temos assistido a um notório acréscimo das prerrogativas da administração tributária, a que corresponde, em igual medida, uma compressão, diminuição e eliminação injustificadas dos direitos e garan- tias dos contribuintes. 253. É conhecido e reconhecido o esforço feito no sentido da modernização da máquina administrativa fiscal, mas é de lamentar que a eficácia obtida apenas se verifique na arrecadação de receita, deixando a descoberto as garantias dos contribuintes. 254. E, ainda mais lamentável, será considerar que o intérprete e aplicador da lei pode passar por cima dessas mesmas garantias, tão só para salvaguardar a obtenção da receita tributária, sem olhar a meios e atropelando garan- tias fundamentais salvaguardas aos contribuintes pelo princípio fundamental da legalidade. 255. Recorde-se que outra regra do contencioso tributário determina que, sempre que um contribuinte recorra a meios impugnatórios da liquidação, e pretenda beneficiar de efeito suspensivo, terá sempre de prestar uma garan- tia idónea. 256. Com efeito, os contribuintes que apresentem impugnação judicial estão obrigados a manter a garantia prestada de molde a suspender a execução fiscal até que haja decisão judicial transitada em julgado. 257. Ora, como se isso não bastasse, na dimensão normativa aqui contestada o prazo de prescrição só inicia a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão que julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de imposto. 258. Estamos, assim, perante o “cerco absoluto” do contribuinte, por muito que o processo judicial se arraste nos Tribunais – não competindo ao contribuinte a função judicial e legislativa, jamais ocorrerá a prescrição de qualquer dívida tributária. 259. Semelhante entendimento preconiza uma linha interpretativa da lei que tem por único escopo salvaguar- dar a receita tributária, em violação do princípio da proporcionalidade e atropelo das garantias dos contribuintes. Assim, 260. Assim, o artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, interpretado no sentido de que o prazo de prescrição interrompe-se sucessivamente no tempo, por virtude dos sucessivos processos interruptivos e alegadamente suspensivos do prazo de prescrição, e que o prazo de prescrição só se inicia na íntegra a partir do fim do último dos processos interruptivos, padece, pois, também de inconstitucionalidade material por violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, e por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º n.º 2 da CRP. Finalmente, 261. Sobre a matéria em apreço, junta-se douto Parecer do Prof. Jorge Miranda, cujo teor se dá aqui por reproduzido.»

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