TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 175. Acaso se preconize o entendimento de que o prazo de prescrição só se inicia depois de paga a dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal, constata-se uma lamentável inversão de valores: os valores fundamentais da vida ou da integridade física, afetados pelos denominados crimes de sangue, podem prescrever, de facto; os créditos tributários, na prática, jamais prescrevem. 176. Julgamos que esta asserção é sintomática do total desacerto de uma interpretação legislativa que preconize o início de um prazo de prescrição apenas depois do contribuinte ter pago a dívida exequenda (com a consequente extinção do processo de execução fiscal), por ter transitado em julgado a decisão que lhe foi desfavorável – paga- mento, esse, que “enterra” a prescrição, pois é juridicamente impossível discutir a prescrição de um crédito tribu- tário entretanto extinto por pagamento. Assim, 177. Considerar que o prazo de prescrição do crédito tributário (prescrição, essa, que constitui uma garantia dos contribuintes – vide supra ) só se inicia na íntegra depois de extinto o processo de execução fiscal, ou seja, depois de extinto esse crédito tributário por pagamento, implica denegar ao contribuinte qualquer possibilidade de ocorrência da prescrição do crédito tributário, seja em que circunstância for – em prejuízo indelével e inexorável, pois, daquela garantia fundamental de defesa e proteção jurisdicional efetiva, constitucionalmente assinalados ao contribuinte nos artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da CRP (cfr. ainda o artigo 9.º da LGT). 178. Daí que o artigo 49.º da LGT (redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição só se inicia depois de extinto o processo de execução fiscal, padece de incons- titucionalidade material, por violação do direito de defesa e proteção jurisdicional efetiva dos administrados, con- sagrado nos artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da CRP. Por outro lado, 179. No entendimento do douto Acórdão recorrido, a prescrição só poderá ocorrer perante situações em que o devedor, nas mais das vezes por meios artificiosos, não é aparentemente titular de quaisquer ativos ou garantias passíveis de ressarcir a AT – e que, por isso, sai injustificadamente beneficiado em relação ao contribuinte que, diligentemente, ofereceu à AT uma garantia e se sujeitou a um contencioso judicial arrastado anos a fio. 180. Com efeito, certamente que não terá sido propósito do legislador prejudicar o contribuinte diligente, que ofereceu garantias de pagamento da dívida exequenda e dispõe de ativos aptos a satisfazê-la, em relação ao con- tribuinte indigente, que não ofereceu quaisquer garantias nem dispõe de ativos aptos a solver a dívida exequenda – este último sairia sempre a ganhar, porque o prazo de prescrição no seu caso pode ocorrer, enquanto o primeiro sairia prejudicado, por em relação a ele a prescrição jamais ocorre. 181. O contribuinte que presta garantia e obtém a suspensão do processo de execução fiscal não pode ser pre- judicado em relação àquele que é igualmente alvo de processo de execução fiscal mas não presta qualquer garantia nem tem património penhorável – o primeiro, garantindo junto do Estado o pagamento da dívida exequenda, seria prejudicado com a suspensão do prazo de prescrição, enquanto o segundo, não dando qualquer garantia ao Estado, seria beneficiado com o decurso do prazo de prescrição, o que não tem sentido. 182. Não pode ter sido essa a intenção do legislador, tendo em conta que, nos termos do artigo 9.º n.º 3 do CC, ex vi do artigo 11.º da LGT, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim, 183. O artigo 49.º da LGT (redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12), interpretado no sentido de que o prazo de prescrição interrompe-se sucessivamente no tempo, por virtude dos sucessivos factos interrupti- vos, e que o prazo de prescrição só se inicia a partir do fim do último dos processos interruptivos, padece ainda inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e interesse público, consignados no artigo 266.º n.º 2 da CRP.

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