TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 145. Em processo de execução fiscal, o pagamento da dívida exequenda não é mais do que isso – o cumpri- mento da prestação do imposto – e tem uma única consequência: a extinção da dívida exequenda, com a conse- quente extinção do processo de execução fiscal. 146. Sendo certo que, na matéria, não se verifica qualquer lacuna no direito tributário – este regula na íntegra, e nos seus múltiplos aspectos, o pagamento e as consequências do pagamento da dívida exequenda, bem como o regime da prescrição dos créditos tributários. 147. Contudo, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que haveria aqui uma lacuna no direito tributário, certo é que artigo 11.º n.º 4 da LGT proíbe a sua integração mediante a aplicação analógica de normas relativas a outros ramos de direito – sobretudo, de normas respeitantes a ramos de direito, como o direito civil ou direito privado comum, que nada têm que ver com o direito tributário, ramo do direito público. 148. E a prescrição constitui inequivocamente uma garantia dos contribuintes – abrangida, portanto, pelo princípio da legalidade e da reserva de lei da AR (cfr. artigos 103.º n.º 2 da CRP e 8.º da LGT). 149. E o mesmo se diga quanto às regras tributárias de cobrança do imposto (cfr. artigos 103.º n.º 3 da CRP e 8.º da LGT). 150. Estando, por isso, vedado, por força do sobredito artigo 11.º n.º 4 da LGT, que em tais matérias pretensas lacunas sejam reguladas pela aplicação analógica de normas do direito civil. 151. Pagando a dívida, logicamente que deixa de se poder discutir a prescrição dessa mesma dívida, dado que o crédito tributário entretanto extinguiu-se por pagamento – já que pagamento e prescrição são duas formas paralelas de extinção do crédito tributário. 152. E então a questão é muito simples: o prazo de prescrição do crédito tributário só se inicia depois do con- tribuinte pagar a dívida? 153. É notório o desacerto deste entendimento, pois isso equivale a considerar que a prescrição dos créditos tributários jamais ocorre – aliás, se o prazo de prescrição apenas se inicia com o fim do processo de execução fiscal, como se defende no douto Acórdão recorrido, e se o processo de execução fiscal só finda com o pagamento, em rigor o prazo de prescrição nunca chega sequer a iniciar-se, o que é um absurdo. 154. É, assim, destituído de qualquer lógica preconizar um entendimento segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia depois do contribuinte ter pago a dívida exequenda, ou seja, depois do crédito tributário ter sido extinto por pagamento – é um entendimento legalmente impossível e, por isso, claramente inconstitucional. 155. A prescrição dos créditos tributários constitui uma das garantias dos contribuintes, expressão da necessi- dade de segurança jurídica para os contribuintes e de protecção das suas legitimas e fundadas expectativas, ínsitas no ideário de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. 156. O contribuinte não pode ser confrontado com a exigibilidade do crédito tributário apesar de decorridas décadas, quando os processos nos quais discutiu a legalidade das liquidações exequendas se arrastaram por todo esse tempo. 157. Com efeito, no entendimento segundo o qual a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da deci- são da impugnação judicial deduzida contra a liquidação exequenda, ou que só se inicia com o final do processo de execução fiscal, a prescrição jamais ocorre – excetuando nos casos em que o devedor desapareceu ou não tem património. 158. Ora, isso não se compadece com as referidas razões de proteção e segurança jurídica, associadas ao ins- tituto da prescrição – que aliás se funda naquelas razões, evitando que os contribuintes venham a ser ad eternum confrontados com dívidas tributárias. 159. De facto, a ânsia da incessante arrecadação de receita tributária, para colmatar erros sucessivos na gestão dos dinheiros públicos, aos quais os administrados são totalmente alheios, não pode permitir uma interpretação legal que conduza ao enterro, na prática, de um dos institutos fundamentais de garantia dos contribuintes, abran- gido pelo princípio constitucional da legalidade, como é o caso da prescrição. 160. A constatação de que a prescrição tributária virtualmente não existe, está em contraciclo com a evolução legislativa e, mesmo, com a vontade declarada do legislador, no sentido do encurtamento dos prazos de caducidade e prescrição.

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