TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para a apreciação abstrata da norma, o Tribunal continue condicionado pela interpretação que a mesma assumiu na sua aplicação a três (ou mais) casos concretos, ou sequer que tenha de aceitar acriticamente, como sendo a única possível, a (des)aplicação da norma que foi assumida naquelas decisões pelos tribunais recorridos. O mesmo pode ser dito relativamente à interpretação que é feita por um acórdão de uma Secção deste Tribunal, no âmbito da fiscalização concreta, que é a única base da presente generalização, para além de um conjunto de decisões sumárias que o aplicaram. Se nos recursos de constitucionalidade, o objeto de fiscalização é a norma com o sentido concreto que o tribunal recorrido lhe atribui, na fiscalização abstrata o Tribunal Constitucional não está inibido de partir de um outro entendimento da norma em questão. Importa não perder de vista que, diferentemente da fiscalização concreta, em que o julgamento da norma não é independente da sua aplicação ao caso submetido a juízo, a fiscalização abstrata tem uma função essen- cialmente objetiva, compete exclusivamente ao Tribunal Constitucional e reveste força obrigatória geral. 4. Finalmente, quanto à verificação dos pressupostos de generalização da declaração de inconstituciona- lidade, a jurisprudência afirmada no presente Acórdão suscita-me as seguintes interrogações: O Acórdão declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 97.º do Código do Notariado, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, quando o único Acórdão que está na base do pedido de generalização (o Acórdão n.º 379/12) se fundou na sua inconstitucionalidade material. Não se ignorando que o princípio da vinculação ao pedido não abrange a fundamentação invocada [artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC)], certo é que o processo previsto no artigo 82.º da LTC (processo aplicável à repetição do julgado) apresenta como pressuposto a repetição do mesmo julgamento de inconstitucionalidade o que significa a necessidade de verificação de uma estrita coincidência entre a norma, ou dimensão normativa, julgada inconstitucional, e aquela que vem a ser objeto da declaração de inconstituciona- lidade com força obrigatória geral. Ora, no caso em análise, não resulta evidente que a norma agora declarada (organicamente) inconstitucional, coincida plenamente com a norma julgada (materialmente) inconstitucional nas decisões que serviram de fundamento ao pedido de generalização. Apesar de reportada sempre ao mesmo preceito legal (o artigo 97.º do Código do Notariado), não é seguro que o julgamento agora empreendido corresponda ao mesmo segmento (ainda que ideal) da norma que foi objeto dos julgamentos de inconstitucio- nalidade anteriormente afirmados pelo Tribunal. Enquanto nas decisões-fundamento a norma julgada incons- titucional se ateve à remissão para a pena do crime de falsas declarações, constante do artigo 97.º do Código do Notariado (concluindo pela indeterminabilidade da pena aplicável à conduta típica), o acórdão de generalização reporta-se ao caráter inovatório da norma no que respeita à pena aplicável (concluindo pela violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República para a definição de crimes e penas). Entre uma pena indeterminada e uma pena nova vai uma distância dificilmente ultrapassável na interpretação de uma mesma norma penal, senão mesmo alguma contradição nos seus termos. Às dúvidas sobre a identidade do segmento normativo julgado, que permitem questionar se a presente generalização reúne o pressuposto da repetição do julgado soma-se a novidade da fundamentação trazida pela primeira vez ao Acórdão de generalização o qual, reconhecendo “ultrapassado” o vício de inconstitucionali- dade material verificado nas decisões-fundamento, passou a apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 97.º do Código do Notariado, em sentido divergente do anteriormente adotado no Acórdão n.º 340/05. 5. No quadro constitucional acima aludido, a generalização do juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 97.º do Código do Notariado, empreendida no presente acórdão, além de se sustentar numa argumentação que traduz mera petição de princípio, dando como adquirido aquilo que devia ser demonstrado (a relevância político-criminal da norma), representa uma confusão entre os poderes jurisdicionais do Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta e da fiscalização abstrata, que não se aceita.

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