TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

279 acórdão n.º 117/15 Estando as empresas do setor público integradas no conceito amplo de Administração, para efeito de sujeição ao princípio do arquivo aberto, a interpretação normativa sindicada afasta do universo das empresas públicas sujeitas ao dever de acesso todas as empresas públicas que sejam criadas ou dominadas por outras empresas públicas. Esta regra tem subjacente a intenção de manter em segredo, nas relações ad extra, os arquivos e registos resultantes da atividade das empresas do setor público empresarial cuja influência domi- nante é exercida diretamente através do património e controlo de outras empresas públicas e indiretamente pelo Estado. Para esta subclasse de entidades administrativas privadas impõe-se a regra do segredo, uma vez que os documentos por ela detidos não constituem, à partida, objeto do direito de acesso. Dessa regra resulta que, a um nível geral e abstrato, se dá prevalência absoluta ao interesse da confidencialidade, sem qualquer possibilidade de ponderação de outros valores e interesses que com ele possam eventualmente conflituar. Ora, a definição constitucional do objeto do direito aos arquivos e registos administrativos impede que o segredo seja erigido em regra e a transparência em exceção. O n.º 2 do artigo 268.º da CRP é perentório ao excluir o direito ao segredo como regra geral, quando estabelece uma reserva de lei para certas matérias em que o interesse da confidencialidade pode excecionalmente prevalecer. Como acima se disse, com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas, a Consti- tuição tornou claro que a transparência é a regra e o segredo a exceção. Acontece que a norma sindicada restringe o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos de determinadas empresas públicas em nome do segredo pelo segredo, já que tais empresas são recortadas segundo um critério puramente formal, que é o de terem sido criadas ou dominadas por outras empresas públicas. Só que, como vimos, este critério não é constitucionalmente aceitável para se limitar o âmbito de proteção do direito geral à informação ou para se justificar uma restrição que conduza ao sacrifício da trans- parência e da publicidade. O direito de acesso e o direito ao segredo, nos casos expressamente autorizados e nas hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos, são direitos prima facie que só se radicam subjetivamente após valoração e ponderação das circunstâncias do caso concreto. É possível ao legislador ou ao juiz estabelecer restrições e condicionamentos ao direito de acesso, mas a tipifi- cação dessas situações ou a elaboração da norma de decisão para o caso concreto exige sempre um juízo de ponderação dos aspetos relevantes do caso concreto. O n.º 2 do artigo 268.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, impõe que as restrições ao direito de acesso assentem num critério de ponderação dos valores ou interesses que estão em jogo numa determinada situação concreta. Ora, não foi com base num critério dessa natureza que o acórdão recorrido «construiu» a norma sin- dicada, uma vez que recusou, prima facie , o acesso aos documentos de um conjunto de empresas do setor público sem ter em conta os direitos e interesses em presença. O fundamento genérico da recusa do acesso é apenas o facto da empresa pública ter sido criada por outra empresa pública e não diretamente pelo Estado. A adoção deste critério formal não só afeta a ratio do princípio do arquivo aberto, que só pode ser restringido por outros direitos e interesses prevalecentes no caso concreto, como legitima a utilização de empresas públi- cas apenas com o intuito de se subtrairem às vinculações públicas de natureza constitucional. Note-se, no entanto, que o legislador formula no n.º 6 do artigo 6.º da LADA um critério metódico que orienta, precisamente, a tarefa de ponderação concreta dos interesses das empresas em não revelarem a infor- mação e dos interesses de terceiros em aceder a essa informação. Só que a interpretação normativa objeto de fiscalização, que se traduziu na exclusão genérica de determinadas empresas públicas do dever de permitir o acesso aos arquivos e registos da sua atividade, inviabilizou que o tribunal efetuasse uma ponderação dos interesses legítimos das empresas em não divulgarem a informação solicitada com o interesse direto, pessoal e legítimo do requerente da informação, ponderação casuística que eventualmente poderia conduzir a um resultado diferente. Conclui-se, assim, que a norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA, quando interpretada no sentido de excluir genericamente do dever de acesso aos arquivos e registos administrativos as empresas públicas criadas por outras empresas públicas viola o n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

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