TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

276 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das empresas públicas na confidencialidade de certo tipo de registos e arquivos não deva ser ponderado, sob pena de se criarem situações de efetiva desigualdade com as empresas privadas. O acesso indiscriminado à informação das empresas do setor público pelos operadores económicos concorrentes, para fins privados ou para competir com elas, geraria uma intolerável situação de concorrência desleal. Daí que o interesse das empresas públicas concorrenciais na não divulgação de informação que comprometa a sua atividade tenha que ser ponderado em cada caso concreto com o interesse na publicidade dessa informação. O que não se justifica, dado a “duplo estatuto” das empresas do setor público, é a exclusão genérica do dever de permitir o acesso aos arquivos e registos da sua atividade; mas já se impõe que, tendo em conta as circunstâncias rele- vantes do caso concreto, se avalie e pondere a necessidade, adequação e proporcionalidade da abertura de alguma dessa documentação. 19 . O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos foi inicialmente regulamentado ou con- cretizado por uma lei – Lei n.º 65/93, de 26 de agosto – que não teve suficientemente em conta a força expansiva desse direito fundamental. Com efeito, para além de não fazer referência às empresas do setor público, a letra da lei parecia exprimir a intenção de apenas se permitir o acesso a documentos que fossem relacionados como o exercício de «poderes de autoridade» (cfr. n.º 1 do artigo 3.º). Tal limitação gerou controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o acesso à informação detida por empresas públicas: uma corrente considerava que a lei não deixava margem para dúvidas que o regime de acesso aos documentos detidos por empresas públicas só era aplicável quando e na medida em que exer- cessem poderes de autoridade (cfr. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pp. 293-294; Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, pp. 103-104; Raquel Carvalho, Lei de Acesso aos Documentos da Administração, p. 24; José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, pp. 40-41 e 140 e segs.); outra corrente, que prevalecia na Comissão de Acesso aos Documentos Administra- tivos, apoiando-se na natureza jusfundamental do direito, defendia a sujeição genérica das empresas públicas ao regime de acesso aos documentos administrativos (cfr. Pareceres da CADA n. os  164/01, 12/05, 44/05 e 81/05, in, www.cada.pt ; Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, pp. 204 e segs.). A atual LADA – aprovada pela Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto – resolveu o problema ao incluir as empresas públicas no âmbito subjetivo de aplicação do diploma, sem lhe acrescentar qualquer outra exigên- cia funcional. Na verdade, as empresas públicas surgem autonomizadas nas alíneas d) e f ) do n.º 1 do artigo 4.º, numa situação totalmente equiparada a todas as outras entidades públicas, sem qualquer distinção, quer quanto à forma que podem revestir (jurídico-pública ou jurídico-privada), quer quanto ao respetivo objeto (as que atuam em regime de concorrência ou no exercício de poderes públicos de autoridade). A noção de empresa pública que foi adotada não obedece sequer ao critério de delimitação do setor público estabelecido no artigo 82.º, n.º 2 da CRP, pois tem a intenção de abranger todas as que se encontram sob influência domi- nante dos poderes públicos, tal como definidas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro (artigo 3.º do anterior Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro). As empresas públicas estão abrangidas pela LADA em claro contraste com as entidades genuinamente privadas a quem foram delegados poderes públicos: enquanto aquelas estão genericamente sujeitas ao acesso, estas apenas estão abrangidas em relação à atividade relacionada como o «exercício de funções administrativas ou de poderes públicos» [cfr. alínea g) , do n.º 1 do artigo 4.º]. E também estão autonomizadas em relação aos “organismos de direito público” referidos no n.º 2 do artigo 4.º, pelo que não é necessário preencherem os elementos deste conceito para estarem sujeitas ao dever de informação consagrado na LADA. Em conformidade com o princípio constitucional do arquivo aberto, a regra geral é a submissão das empresas públicas ao direito de acesso a todos os documentos emergentes da sua atividade, independen- temente do ambiente jurídico e material em que atuem. É com esse sentido e alcance que a jurisprudên- cia do Supremo Tribunal Administrativo, socorrendo-se de elementos de natureza histórica, sistemática e

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