TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
273 acórdão n.º 117/15 direito privado, pois não atuam na área da autonomia privada e da liberdade, como qualquer particular, antes obedecendo aos princípios da legalidade e da competência. De facto, como refere Pedro Gonçalves «na dicotomia entre Estado e Sociedade, as empresas do setor público integram o primeiro pólo e veem, por isso mesmo, a sua existência e o seu agir juridicamente suportados pelos canais e instrumentos normais da legiti- midade democrática, e não pelos direitos e liberdades dos cidadãos»» (cfr. “O direito de acesso à informação detida por empresas do setor público”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 81, p. 4). O interesse público justificativo da existência e do agir das empresas que pertencem ao setor público empresarial é o critério causal de legitimação do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos detidos por essas empresas. A atividade das empresas públicas, mesmo quando concorrencial, é sempre uma atividade administrativa, na medida em que visa a prossecução do interesse público ao serviço do qual foram instituídas e é uma atividade exercida de forma subordinada à Constituição, à lei, aos princípios constitu- cionais e no respeito pelos direitos fundamentais (artigos 18.º e 266.º da CRP). Ora, o desenvolvimento indireto de uma atividade vinculada aos direitos fundamentais e aos princípios gerais resultantes da Cons- tituição não pode prescindir de uma exigência de transparência, uma condição essencial para se indagar o cumprimento de tais parâmetros. Com efeito, sem informação não é possível aos cidadãos conhecerem se a atividade desenvolvida pelas empresas públicas está de harmonia com os princípios constitucionais da ativi- dade administrativa e com as normas da Constituição relativas a direitos, liberdades e garantias dotadas de aplicabilidade direta. A transparência administrativa é assim um dos cânones hermenêuticos da atividade das empresas públi- cas, de forma a permitir ao cidadão comum, enquanto membro da comunidade, aferir o cumprimento das vinculações constitucionalmente impostas à sua atividade, seja ela regida por formas de atuação jurídico- -públicas ou jurídico-privadas. A aplicabilidade às empresas do setor público do princípio do arquivo aberto, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, impondo a publicidade e transparência das diversas formas de atuação, constitui um instrumento de garantia do respeito pela vinculação aos princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé, e pela vinculação especial aos preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias dotados de aplicabilidade direta. 17 . A atuação das empresas públicas segundo o direito privado, que é o regime geral da sua atividade (cfr. n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 133/2013) envolve consequências de natureza constitucional quanto ao âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos. Apesar de vinculadas aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais da atividade administrativa, as empresas públicas exercem, por regra, uma atividade de gestão privada, uma atuação que é regida pelo direito privado. Mas a submissão a este “direito privado administrativo”, como o qualifica alguma doutrina, não faz esquecer que as empresas públicas intervêm no mercado em concorrência com as empresas privadas e que esse facto reclama igualdade nas condições de atuação. A equiparação das empresas públicas que atuam em ambiente de mercado às empresas privadas, quer quanto a privilégios quer quanto a ónus e deveres especiais, justifica por si só algumas cautelas quanto à reve- lação de certos documentos da atividade empresarial, sob pena de desigualdade injustificada entre operadores económicos e de se criar risco de concorrência desleal entre eles. Só que imperativo da igualização não justifica a exclusão genérica do dever de permitir o acesso aos documentos emergentes da sua atividade. Como diz Aroso de Almeida, precisamente a propósito do âmbito do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP «poder-se-ão, é certo justificar, certas precauções quanto ao enquadramento das empresas comerciais e indus- triais detidas pelo Estado (tenham ou não o estatuto específico de empresas públicas) na medida (ou nas áreas de atuação) em que não exerçam efetivos poderes de autoridade (designadamente, cuja atividade não envolva a exploração de bens ou serviços públicos), desenvolvendo uma atividade económica substancialmente idên- tica à das empresas privadas. A questão não se coloca, no entanto, em termos de excluir estas empresas do
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=