TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fugir à vinculação aos direitos fundamentais e ao respeito pelos princípios fundamentais da atividade admi- nistrativa» [cfr. “Nova gestão pública e direito administrativo”, in Revista de Legislação e Jurisprudência , Ano 342, n.º 3978, p. 191 e Administração autónoma (…) cit. p. 286]. E em relação às entidades particulares que se dedicam à execução de funções administrativas escreve Pedro Gonçalves que «o conceito institucional de Administração Pública neste sentido funcional parece, aliás, revelar-se mais operativo em termos constitucio- nais, visto que as disposições da CRP sobre os princípios fundamentais de ação da Administração não podem deixar de se aplicar a qualquer entidade – seja qual for a sua natureza jurídica ou origem – responsável pela execução de funções administrativas» (cfr. ob. cit. pp. 285 e 286). A CRP, particularmente nos artigos 266.º a 268.º, adota um conceito amplo de Administração Pública que, além das pessoas coletivas de direito público, abrange, quer as formas de organização de caráter privado que pertencem ao setor público ou que se encontrem sob a influência dominante dos poderes públicos, quer as entidades particulares a quem foram delegadas funções públicas. De facto, a opção por um modelo de Administração Pública desconcentrada e descentralizada, com uma organização administrativa desdobrada numa multiplicidade de entes diferenciados, que seja eficiente e transparente, não pode abdicar de um con- ceito de administração pública que seja aplicável a todas as entidades encarregadas da execução da função administrativa. Ora, para ser aplicável a todas as realidades institucionais admitidas pela Constituição, o con- ceito constitucional de administração pública tem que assegurar «uma articulação minimamente satisfatória de um conceito organizatório de administração pública com um conceito tendencialmente material» (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição, p. 644). Só a correspondência entre administração pública em sentido material e Administração Pública em sentido orgânico permitirá abranger, no plano constitucional, todas as entidades que se dedicam à execução da função administrativa, independentemente da sua natureza ou substrato. Um conceito alargado de administração pública permitirá assim considerar “entidades públicas”, para efeitos de vinculação aos direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 18.º da CRP), as pessoas coletivas privadas de «mão pública», como é o caso das empresas de capitais exclusiva ou predominantemente públicos. É que, como refere Vieira de Andrade, «essas entidades, em vista da sua ligação organizativa, funcional ou material à atividade administrativa em sentido estrito, devem estar sujeitas em primeira linha aos direitos, liberdades e garantias, não devendo ser tratadas como entidades dotadas de autonomia privada» (cfr. Os Direitos Funda- mentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª edição, p. 223). De igual modo, um conceito amplo de administração pública é o que mais se adequa à aplicação dos princípios constitucionais da Administração Pública quando ela utiliza formas organizativas e meios de atuação de direito privado para a prossecução de interesses públicos. É que, como diz Sérvulo Correia, «nos seus artigos 266.º e seguintes a Constituição, não estabelece qualquer dicotomia entre administração por meios de direito público e de direito privado. As normas de fundo ali estatuídas dirigem-se a todo o complexo das atividades administrativas» (cfr., Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos administrativos, Almedina, p. 532). 15 . É nesse sentido alargado que o conceito de «Administração» deve ser entendido para efeitos da vin- culação ao princípio do arquivo aberto. O direito de acesso aos registos e arquivos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º deve ser interpretado com a maior largueza consentida pela sua justificação teleo- lógica. Como já foi mencionado, a acessibilidade aos arquivos e registos administrativos pelos particulares, sem necessidade de se demonstrar uma posição legitimante, radica na exigência de transparência da atividade administrativa. E esta exigência projeta-se em quaisquer campos da ação administrativa e não apenas naquela que é exercida através de poderes públicos de autoridade. A Administração deve permitir a visibilidade da sua atuação, qualquer que seja a forma como se organiza e atua, pois toda a ação pública, mesmo quando levada a efeito por entidades privadas, deve ser desenvolvida sob a égide da publicidade, para que os cidadãos pos- sam aferir o pleno cumprimento das vinculações legais da Administração Pública e tenham a possibilidade de participarem na vida administrativa. É esta dimensão democrática da transparência administrativa que
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