TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
27 acórdão n.º 96/15 norma sindicada; ii) a abrangência da norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral; iii) a verificação dos pressupostos para a generalização do juízo de inconstitucionalidade da norma que veio a ser invalidada. 2. Na base do juízo de inconstitucionalidade afirmado no Acórdão está a conceção da norma sindicada como constituindo uma norma incriminatória. Não acompanho. Basta atender à letra do preceito («Os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura»), para se perceber que este não corresponde a um tipo incriminador. Do preceito apenas resulta um dever de “adver- tência”, em correspondência com a sua epígrafe. Em cumprimento do dever funcional aí estabelecido, os outorgantes devem ser advertidos pelo oficial público das consequências decorrentes da prestação de declara- ções falsas, nomeadamente a prática de um crime (de falsas declarações), necessariamente previsto num outro local do ordenamento. A consequência de o ordenamento jurídico, num eventual momento, não conter o crime que é objeto de advertência é tão-só o esvaziamento das consequências penais desta, não, necessaria- mente, a sua inutilidade ou falta de sentido, designadamente ao nível da fiabilidade do ato que a convoca. Não se ignora que as decisões que estiveram na origem do pedido de generalização do juízo de inconsti- tucionalidade da norma contida no artigo 97.º do Código do Notariado a conceberam como um tipo penal. No entanto, a atribuição de relevância jurídico-penal ao artigo 97.º do Código do Notariado não constitui a única interpretação possível daquele preceito legal, ou sequer a mais representativa da jurisprudência pro- ferida na matéria. É nesse contexto que deve ser feita a fiscalização abstrata da constitucionalidade da norma em causa. Para além da discussão suscitada na jurisprudência sobre a revogação tácita, pelo artigo 402.º do Código Penal de 1982 (na sua redação originária) do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 33725, de 21 de junho de 1944 (que previa o crime genérico de falsas declarações perante autoridade pública), certo é que, pelo menos desde a revogação operada pelo artigo 53.º, alínea a) , da Lei n.º 33/99, de 18 de maio, dos artigos 22.º a 24.º do Decreto-Lei n.º 33725, passou a encontrar apoio legal inequívoco a consideração acolhida, tanto na doutrina como nas decisões dos tribunais, de deverem considerar-se como despidas de conteúdo normativo as remissões feitas em preceitos legais para um tipo genérico de falsas declarações (neste sentido vide, por todos, Paulo Dá Mesquita, “Parecer sobre a tutela penal de falsas declarações e eventuais lacunas carecidas de intervenção legislativa em matéria de falsas declarações perante autoridade pública”, in Revista do Ministério Público, pp. 79-116). De resto, foi precisamente para superar este vazio legislativo que recentemente, pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, o legislador aditou ao Código Penal o artigo 348.º-A, com a epígrafe “falsas declarações”, superando assim a ausência de um tipo penal geral de falsas declarações perante entidades públicas e dando conteúdo à remissão constante de diversas disposições legais, entre as quais o artigo 97.º do Código do Notariado. 3. Não acompanho igualmente o acórdão no que respeita à abrangência da norma declarada incons- titucional. Sem prejuízo da irrelevância jurídico-penal do preceito ao tempo em que a ordem jurídica não contemplava a previsão de qualquer crime genérico de “falsas declarações”, a verdade é que a advertência constante do artigo 97.º do Código do Notariado manteve sempre sentido útil ao nível da credibilidade que devem merecer os atos certificados por oficial público. Ora, ao declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 97.º do Código do Notariado, sem identificar a dimensão ou o critério interpretativo que constitui o pressuposto daquela declaração, o presente Acórdão invalida todo o preceito legal (incluindo, portanto, a obrigação funcional de advertência), e não apenas um seu segmento (material ou ideal). Compreende-se que a norma objeto da generalização deva corresponder à norma julgada inconstitucio- nal nas decisões anteriores do Tribunal. O que já não se aceita é que na passagem do julgamento concreto
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