TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
269 acórdão n.º 117/15 exercer tarefas administrativas, incluindo poderes de autoridade (artigos 63.º, n.º 5, e 267.º, n.º 6); e autori- dades administrativas independentes, que se caracterizam pelo facto de desenvolverem funções (regulatórias, garantísticas ou mistas) sem sujeição a quaisquer ordens ou instruções governamentais (artigo 267.º, n.º 3). Uma das manifestações deste pluralismo organizativo consiste na diversidade jurídico-formal, o que torna problemático determinar as entidades que integram a Administração em sentido orgânico ou subje- tivo. As dificuldades surgem quando se assiste nas últimas décadas a fenómenos algo contraditórios como a privatização da Administração Pública, através de entidades públicas que atuam sobre os cânones da gestão privada e a publicização da vida privada, através de entidades privadas que exercem funções públicas. Este fenómeno de “fuga para o direito privado”, que se processa também ao nível das formas de atuação, colocou à doutrina administrativa a questão de saber se a Administração Pública também comporta entidades de direito privado. A resposta tem divergido em função do critério ou fator utilizado para delimitar o conceito de Admi- nistração: a doutrina mais tradicional recorta o conceito orgânico de Administração através de um critério formal, baseado na personalidade de direito público, que exclui as formas organizativas de direito privado (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 2.ª edição, pp. 34 e segs. e p.565, Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, pp. 24 e segs.); outra corrente substitui o critério formal por um critério material que, assente na distinção entre setor público e setor pri- vado, integra na Administração em sentido orgânico as entidades formalmente privadas, criadas pela admi- nistração ou que se encontrem sob a sua influência dominante (cfr. João Estorninho, A fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina , 1996, p., 327; Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Almedina, p. 305; Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, pp. 285 e 286); uma terceira posição delimita o conceito de Administração através de um critério funcional que, além das pessoas públicas, abrange quaisquer entidades privadas investidas de funções públicas (cfr. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Editora Danúbio, p. 32; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, p. 46; João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 1.ª edição p. 34; Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, pp. 282 a 288). No plano jurídico-constitucional não existe qualquer obstáculo que impeça integrar no conceito de Administração entidades que obedeçam a um modelo de estruturação orgânico regulado por normas de direito privado. Pelo contrário, as empresas integradas o setor público empresarial, tal como definido no n.º 2 do artigo 82.º da CRP, não dependem da forma jurídico-organizatória, podendo ser constituídas sob a forma privada, por força da ampla liberdade de auto-organização empresarial dos poderes públicos. E tal integração assume relevo para efeitos constitucionais, entre eles, o de não estar excluído que «perante uma concreta disposição constitucional que se refira genericamente às entidades públicas, que se possa concluir, em função da sua teleologia, que ela abrange empresas com personalidade jurídica de direito privado que se integram no setor público ( v. g. artigos 18.º, n.º 1, e 156.º, alínea e) » (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portu- guesa Anotada, Tomo II, p. 39). E também dos princípios constitucionais que regem a organização da Administração Pública, nomea- damente do princípio da descentralização administrativa (artigo 267.º, n.º 2), se pode aceitar a integração institucional na Administração Pública de pessoas coletivas privadas que estão sob o domínio ou influência dominante de pessoas públicas; assim como se pode admitir a integração funcional na Administração Pública de entidades particulares com funções públicas administrativas (artigo 267.º, n.º 6). Relativamente àquelas, refere Vital Moreira que «a admissibilidade constitucional das entidades administrativas privadas não suscita objeções de princípio. A Constituição não as menciona expressamente mas também não as proíbe explicita- mente nem impõe que a Administração consista somente em organizações jurídico-públicas. (...) Apesar de criadas e regidas pelo direito privado, estas entidades não deixam, no entanto, de ser entidades administra- tivas: pertencem à organização administrativa e desempenham tarefas administrativas, pelo que não podem
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