TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

267 acórdão n.º 117/15 Mas o acesso à documentação administrativa assume também uma dimensão institucional, quando visa dar proteção jurídico-constitucional ao princípio e valor da transparência administrativa. Com efeito, a exigência de transparência há de traduzir-se na obrigação da Administração Pública permitir a visibilidade da sua atuação. E daí que a intenção normativa de afastar o segredo administrativo e de tornar o funcionamento da Administração mais democrático e transparente só possa ser concretizada através do conhecimento da informação constante dos seus arquivos e registos, com as exceções legais justificadas na segurança interna e externa, na investigação criminal e na privacidade das pessoas. Quer isto dizer que a transparência administrativa não é um valor que se reflita exclusivamente no plano dos direitos fundamentais dos administrados. A acentuação das dimensões subjetivas da transparência administrativa «não impede, como é óbvio, a existência de um interesse público objetivamente radicado na transparência em si mesma. Esta é um cânone hermenêutico da ação administrativa, de forma, a otimizar o cumprimento dos princípios da imparcialidade, legalidade, igualdade e justiça» (cfr. Gomes Canotilho, “Anotação aos Acórdãos n. os 176/92 e 177/92 do Tribunal Constitucional”, in Revista de Legislação e Juris- prudência, ano 125.º, n.º 3 821, p. 253). 12 . O princípio e valor da transparência administrativa suporta diferentes expressões do direito à infor- mação administrativa, entre as quais: o direito à informação administrativa procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º da CRP, e o direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo artigo. Não obstante a óbvia conexão entre estes direitos, o direito de acesso a arquivos e registos administra- tivos goza de autonomia face ao direito à informação administrativa procedimental, que se justifica pela diversidade de contextos em que o particular se dirige à Administração Pública e pelos distintos planos em que se efetiva a eventual participação na atividade administrativa. Desde logo, a Constituição autonomiza os dois direitos quanto aos respetivos titulares: enquanto os titulares do direito à informação administrativa procedimental são apenas os «diretamente interessados» num procedimento administrativo, os titulares do direito de acesso são os «cidadãos», enquanto membros da comunidade interessados na res publica, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo. Ou seja, no primeiro direito pressupõe-se a existência de uma relação procedimental concreta entre a Administração Pública e um particular, passível de vir a ser diretamente afetado pela decisão nele tomada; já no segundo direito permite-se o acesso generalizado, sem necessidade de demonstração de uma posição legitimante, que não seja a de serem cidadãos comuns. Para além de ser diverso o âmbito pessoal de aplicação – mais alargado no direito de acesso – estes direi- tos desempenham uma função normativa claramente distinta: o direito a ser informado sobre o andamento do procedimento e o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre ele forem tomadas tem por efeito permitir a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito – direito à infor- mação uti singuli; já o direito à informação contida nos arquivos e registos administrativos tem por efeito permitir o controlo e a participação no desempenho da ação administrativa – direito à informação uti cives. De facto, o direito à informação consagrado no n.º 1 do artigo 268.º é uma das principais expressões do direito de participação previsto no n.º 4 do artigo 267.º da CRP, uma vez que quem participa efetivamente num procedimento não pode deixar de conhecer o seu objeto e os atos e formalidades que o formam; já o direito à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º é expressão, no domínio dos direitos e garantias dos administrados, do mais amplo direito à informação garantido no n.º 2 do artigo 48.º da CRP, que se funda nas exigência de democratização e transparência da vida administrativa. E daí que os dois direitos tenham objetivos diferentes: «o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posi- ções subjetivas diretas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de proteção de interesses mais objetivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da ação administrativa» (cfr. Raquel Carvalho, O Direito à Informação Administrativa Procedimental, Publicações Universidade Católica, Porto, 1999, pp. 160 e 161).

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