TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015
266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11 . A Revisão Constitucional de 1989 aditou ao artigo 268.º o n.º 2, que diz o seguinte: «Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas». Esta norma veio consagrar, no plano constitucional, o princípio da administração aberta ou do arquivo aberto, que permite a qualquer cidadão o acesso a arquivos e registos administrativos. Na raiz do princípio está a pretensão de substituir e superar o princípio da arcana praxis ou o princípio do segredo, característico de um modelo de Administração Pública autoritária, burocrática, fechada sobre si mesmo, que decide em segredo, pelo princípio geral da publicidade ou da transparência, próprio de uma Administração aberta, participada, que age em comunicação com os administrados. A mudança para uma nova Administração traduz-se, além do mais, em facultar «aos cidadãos uti uni- versi informações em primeira mão sobre atitudes, orientações e projetos da Administração, munindo-os de meios indispensáveis à sua participação, enquanto agentes cívicos, em quaisquer campos da ação adminis- trativa, sobretudo naqueles que mais interesse suscitam na opinião pública. Sob este aspeto, o princípio do arquivo aberto organiza, no pano do direito administrativo, o direito cívico que se filia na liberdade de dar, de receber e de procurar informações. É portanto, um instrumento do direito à informação, hoje incluído por muitos no catálogo dos direitos fundamentais do cidadão» (cfr. Barbosa de Melo, “As garantias dos Adminis- trados na Dinamarca e o Princípio do Arquivo Aberto”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LVII, 1981, p. 270). A conexão entre o direito à informação e uma Administração Pública assente em ideias democráticas e participativas é uma evidência na CRP: no n.º 1 do artigo 37.º garante-se a todos o «direito de informar, de se informar, e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações»; nos n. os 1 e 2 do artigo 48.º, articula-se o direito à participação na vida pública com o direito ao esclarecimento sobre atos do Estado e com o direito à informação acerca da gestão dos assuntos públicos; e no n.º 4, do artigo 267.º impõe-se a existência de um procedimento administrativo que assegure a participação dos cidadãos nos atos que lhe digam respeito. Destas normas infere-se que o direito à informação em geral, associado ao direito de participação, avulta como fator de uma Administração Pública mais democrática e transparente. Ao ligar-se a interesses públicos de primordial importância num Estado de direito democrático, como os da transparência e participação na vida administrativa, o direito à informação acaba por constituir um «instrumento de transparência de negó- cios públicos», «uma garantia da responsabilidade pública (accountability) dos órgãos do poder», e o suporte de «uma certa quota de legitimação e legitimidade» da Administração Pública (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, p. 666). Ora, na dimensão específica de direito à informação administrativa, a publicidade dos arquivos e regis- tos administrativos, garantida no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, constitui também um instrumento necessá- rio à democratização da vida administrativa, pois só o acesso a essa documentação torna possível o controlo democrático da atividade administrativa, a real participação dos cidadãos e a efetiva defesa dos seus direitos e interesses. Assim o referem Gomes Canotilho e Vital Moreira: a garantia do princípio do arquivo aberto «é um elemento dinamizador da «democracia administrativa» e um instrumento fundamental contra o «segredo administrativo» (cfr. ob. cit. Vol. II, p. 824). E esta intenção não pode deixar de ser tida em conta na determinação do âmbito normativo-consti- tucional do princípio do arquivo aberto. É certo que o acesso aos arquivos e registos administrativos está inserido num disposição que condensa as dimensões mais significativas da posição jurídico-constitucional dos particulares perante a Administração Pública, acentuando-se desse modo a dimensão subjetiva inerente ao direito à informação administrativa. O n.º 2 do artigo 268.º, ainda que careça de concretização legislativa, concede aos cidadãos um «direito» que não pode deixar de ser considerado de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º da CRP, e como tal diretamente aplicável e imediatamente vinculante (cfr. Acórdãos n. os 176/92, 177/92, 80/95, 254/99 e 2/13).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=