TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 92.º Volume \ 2015

25 acórdão n.º 96/15 DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, mas dissenti dos argumentos que a sustentaram pelas seguintes razões. O princípio tempus regit actum vale também para o Direito Constitucional. Por isso mesmo, a prática dos atos do Estado cuja competência e forma seja diretamente definida pela constituição rege-se pelas nor- mas (de competência e de forma) que sejam vigentes ao tempo em que o ato é praticado. Tal tem como consequência, desde logo, que não possam conceber-se inconstitucionalidades orgânicas e formais que sejam supervenientes. Como muito bem se sabe – e sobre o assunto não existem dúvidas – a inconstitucionalidade superveniente é apenas de índole material: uma norma de direito ordinário anterior que tenha sido emitida antes da entrada em vigor da constituição só se torna (supervenientemente) inválida se contradisser substan- cialmente a nova ordem constitucional. O facto de essa nova ordem ter procedido a uma diferente distribui- ção de competências entre os órgãos do Estado, ou de ter disposto diferentemente quanto aos procedimentos formais que devem ser seguidos para a aprovação ou revelação externa do seus atos, não serve de fundamento para a invalidação daqueles últimos que tenham sido praticados ao abrigo da ordem anterior. E não serve, precisamente, porque as normas de forma e competência que regem os referidos atos são aquelas vigentes ao tempo da sua prática. Sobre esta conclusão – que sempre orientou a interpretação que se faz do disposto no n.º 2 do artigo 290.º da CRP – não subsistem, como já se disse, quaisquer dúvidas. Inversamente, as normas de competência e de forma contidas numa certa constituição serão sempre apli- cáveis a todos os atos do Estado que sejam praticados depois da sua entrada em vigor, e isto qualquer que seja a continuidade ou descontinuidade substancial que haja entre o conteúdo do «ato velho», emitido ao abrigo das regras [de forma e/ou de competência] constantes da ordem pretérita, e o ato novo, emitido ao abrigo das novas regras. Como o tempo rege o ato, o critério a seguir para a determinação das regras aplicáveis à prática dos atos estaduais (que não ao seu conteúdo) é o da vigência dessas regras no momento da sua emissão. Não há outro. Assim, se o legislador ordinário, que se rege pelas regras de forma e de competência constantes da CRP, resolver, através de ato seu, novar uma norma oriunda do ordenamento pré-constitucional, terá que o fazer de acordo com as regras vigentes ao tempo da novação. O facto de se tratar de uma novação (e não de uma inovação) normativa, será, segundo creio, para o efeito irrelevante. No caso, decidiu o legislador ordinário, já na vigência da CRP, novar, através de ato seu, um tipo incri- minador que fora definido ao abrigo da ordem constitucional anterior. Seguindo o raciocínio atrás defen- dido, a novação ter-se-ia sempre que fazer nos termos das normas constitucionais de competência vigentes ao momento da prática do ato; e essas eram já (diversamente do que sucedia aquando da vigência da ordem constitucional anterior) aquelas que ditavam a reserva de competência legislativa do parlamento para a defi- nição de crimes, penas, e medidas de segurança. Tanto bastava, a meu ver, para que se chegasse no caso a um juízo de inconstitucionalidade orgânica, sem entrar em quaisquer indagações relativas à identidade ou não identidade substancial entre «norma velha» e a «norma nova». Creio que estas indagações – a terem lugar enquanto instrumento de exclusão de juízos de inconstitucionalidade orgânica – só farão sentido quando estiverem em causa normas constantes de atos praticados ao abrigo da mesma ordem constitucional, não sendo admissíveis quanto a atos praticados ao abrigo de ordens diversas, que se sucederam no tempo. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Discordei da generalização dos anteriores julgamentos de inconstitucionalidade pela razão que se passa a expor. O aditamento ao Código Penal do artigo 348.º-A efetuado pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, alterou o conteúdo da norma que foi objeto dos anteriores julgamentos de inconstitucionalidade cuja gene- ralização foi pedida.

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